Seu Fortunato
Fortunato de Farias, tio desse ator da Globo, Reginaldo
Farias. O Seu Fortunato era casado com Dona Rosa e pai do Natinho, um moço
grande, um tanto balofo, que tinha um cacoete que me intrigava: ele piscava o
tempo todo, com um olho só. Eu piscava de volta e assim, imóveis, ficávamos um
bom tempo. Ele devia ter uns 15 ou 16 anos e eu, uns dez.
Nossas famílias moravam em duas casinhas geminadas na
Pedroso de Morais, quase esquina com a Teodoro Sampaio. Na ponta do lado de lá,
na esquina da Pedroso com a Cardeal Arco Verde, onde hoje é um posto de
gasolina, ficava uma estrebaria em que meu pai guardava a charrete, e do outro
lado da rua, onde hoje é a Kalunga, ficava o ferro velho do meu pai!
Eu pessoalmente nunca vi as casinhas, a estrebaria ou o
ferro velho. Não era nascido nessa época. Essas coisas me foram contadas pela
minha irmã, doze anos amais velhas que eu.
Seu Fortunato acabou trabalhando para o meu pai. Sua função
era cobrar dos fregueses as prestações referentes aos relógios e joias que meu
pai vendia.
Todo dia, na hora do almoço, lá vinha o Seu Fortunato, de terno
azul marinho, gravata amarfanhada, com um ar eternamente cansado (ele já devia
ter mais de 60 anos) desabava no sofá de napa branco da sala de casa e,
invariavelmente, olhava para mim com um olhar compassivo e soltava o seu
bordão: “A vida é uma luta, uma luta renhida.” Acho que isso é um verso de
Gonçalves Dias, mas não tenho certeza. Em tempo, o Seu Fortunato estudou no
Mackenzie.
O Seu Fortunato fez uma cirurgia. Retirou pedras dos rins.
Ou da vesícula, não lembro mais. O que eu lembro é que ele andava com um
frasquinho no bolso e adorava mostrar as pedrinhas para mim, como se fosse um
troféu.
Mas um dia ele derrubou o frasquinho na sala e as pedrinhas
sumiram debaixo do sofá. Ele ficou consternado.
- Eu pego para o senhor, Seu Fortunato, disse eu,
abaixando-me para entrar lá embaixo. – Quantas pedrinhas são?
- Não sei ao certo. umas quatro ou cinco.
Tateando aqui e ali, consegui recuperar umas três. Aí eu fui
até o fundo da casa, onde havia um galinheiro e um pedacinho de terra, e peguei
mais umas pedrinhas. Lavei-as e trouxe-as de volta para a sala.
- Pronto, Seu Fortunato. São essas?
- São essas mesmas. Obrigado, guri.
Nenhum comentário:
Postar um comentário