segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O que fazer (ou não fazer) numa aula de inglês

     

Anos atrás (enquanto ainda estava na ativa como professor) eu dei uma palestra chamada qualquer coisa como Do’s and Don’ts in the teaching of English. Faz tanto tempo que eu já esqueci o que disse. Então fui à internet conferir os conselhos que os professores, com muita experiência - imagino eu -  dão aos seus colegas hoje em dia.

Recorri a três:


Não pretendo discordar de nenhum dos itens abordados. Porém, fosse eu hoje convidado a dar a mesma palestra, tomaria bem poucos minutos dos meus ouvintes, pois meus conselhos se resumiriam a dois ou três:
·        Não chute. Se você não souber responder a alguma pergunta da classe, diga honestamente que não sabe mas vai procurar se informar.

Shakespeare

Dizem que Shakespeare inventou mais de 1700 palavras. Por exemplo: fashionable, noiseless, assassination, entre muitas outras. Não tente fazer o mesmo. Você não é Shakespeare.


Uma vez um professor me contou que um aluno lhe perguntou como se dizia ‘camurça’ em inglês. “Camurce”, respondeu ele e ainda acrescentou: “Mas normalmente as pessoas dizem ‘cam’, e, não satisfeito, escreveu ‘cam’ na lousa. Eu, tonto, perguntei: É mesmo?” Ele riu e disse: “Sei lá!” “Mas se ele for checar se é essa a palavra mesmo?” “Nunca aconteceu,” disse ele, encerrando o assunto.

Em tempo, ‘camurça’ é suede  /sweɪd/; ‘camurce’ não existe.

I do.


·        Não menospreze a inteligência do aluno. Ele não é mais burro que você, ele é apenas mais novo. Ele nasceu bem depois de você, por isso sabe menos inglês. Ainda. Espere alguns anos. Não é surpreendente que hoje haja um monte de ex-alunos que muito provavelmente sabem mais inglês do que eu.
Uma vez, numa prova, um aluno escreveu o seguinte: “If it rains, it will rain.” Eu considerei a frase errada. Ele não se conformou. Precisei de muita paciência e muita lógica para mostrar o absurdo da frase. O resultado da condição tem necessariamente de ser diferente da condição. Não houve meio de convencê-lo. Mas é que esse era burro mesmo.

·        Tenha amor pela língua que você ensina. Passe aos seus alunos o entusiasmo que o inglês desperta em você. Fale da história, dos costumes, das atrações turísticas de países de língua inglesa. Conte casos que porventura tenham acontecido com você ou com algum amigo seu.

Uma noite (eu sempre estudei à noite), na já remota década de 60, um professor escreveu uma frase na lousa e exclamou, mão erguida como quem faz um discurso: “Sintam a seiva viva que perpassa estas palavras!” Era uma frase em latim. O professor era o Pina. A frase eu esqueci. O Pina, não. 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Existe essa coisa de 'melhor dicionário'? Parte 2

Os burros chamam o dicionário de 'pai dos burros'


Ontem, eu falei dos dicionários online inglês-inglês. Hoje, quero me deter um pouco em dois ou três outros tópicos:

Em primeiro lugar, os dicionários online inglês-português. Também fiz uma pequena pesquisa comparativa, usando a palavra guardrail como ponto de partida. Eis o resultado:

Aulete: barreira ou mureta de proteção us. nas estradas e pistas de competição

Bab.la: corrimão, gradil

Infopedia: grade de proteção

Linguee: balaustrada

Michaelis: cerca de segurança

Portuguese Dictionary: trilho de segurança, corrimão

SensAgent: corrimão, trilho de segurança

À primeira vista, a melhor explicação é a do Aulete. Pelo menos, é o significado com o qual estamos mais familiarizados, uma vez que a palavra já está praticamente incorporada ao nosso léxico, divulgada à exaustão pelas transmissões de corridas de Fórmula 1. Contudo, minha preferência (sempre lembrando que a escolha é muito subjetiva) vai para Linguee, não em virtude da ‘balaustrada’, palavra rara entre nós, mas porque este dicionário oferece um grande número de frases em inglês e suas correspondentes traduções, as quais vão muito além da infeliz balaustrada.
Em segundo lugar, os dicionários de papel. Devo ter uns trinta, no mínimo, mas hoje, quase não faço mais uso deles. Vou direto na internet. Os meus favoritos eram o Cobuild (disparado, o melhor, na minha opinião – depois eu explico), o Oxford, o Cambridge, o BBI e o Webster, nessa ordem. Mais adiante, voltarei ao Webster.

Como justificar esta minha preferência rasgada pelo Cobuild? Permitam-me fazer uma comparação com uma palavra colhida a esmo, comeback, por exemplo:

COLLINS COBUILD ENGLISH DICTIONARY

comeback /’kVmb{k / comebacks

1 If someone such an entertainer or sports personality makes a comeback, they return to their profession  or sport after a period of absence. Sixties singing star Petula Clark is making a comeback.
2 If something makes a comeback, it becomes fashionable again. Tight fitting T-shirts are making a comeback.
3 If you have no comeback when someone has done something wrong to you, there is nothing you can do to have them punished or held responsible, for example because the law or a rule prevents it.

OXFORD Advanced Learner’s Dictionary of current English:
comeback /’kVmb{k / n 1 a return to a former successful position: an ageing pop star trying make/stage a comeback. 2 (infml) a quick reply to a critical remark.

CAMBRIDGE INTERNATIONAL DICTIONARY OF ENGLISH
come.back /’kVmb{k / n [C] a successful attempt to get power, importance or fame again after a period of having lost it. With ten extra years and ten extra kilos on him, the boxer failed to make a comeback.

THE BBI COMBINATORY DICTIONARY OF ENGLISH
comeback n. [‘recovery’ 1. to attempt, try; make a ~ 2. a successful; unsuccessful ~ [‘retort’] 3. a snappy ~

Webster’s New Word Dictionary of the American Language (second college edition):
come.back (kum´bak´) n. [Colloq.] 1. a return to a previous state or position, as of power, success, etc. 2. a witty answer; retort 3. ground for action or complaint; recourse

O Cobuild, como facilmente se vê, vai mais longe, é mais rico. Praticamente todas as explicações se iniciam por if, sempre tentando contextualizar o verbete. Os demais limitam-se a explicar o vocábulo e dar algum exemplo.

A exceção fica para o BBI, que não é propriamente um dicionário, no sentido tradicional da palavra. O que o BBI tem de original é que ele é mais um dicionário de collocations, ou seja, ele fornece combinações de palavras, como, por exemplo, que verbos costumam ser usados com seus respectivos objetos diretos, ou que adjetivos são normalmente usados com certos substantivos: call an alert, hatch a conspiracy, crack a smile; body: an advisory ~; a solid ~; a decomposing ~

Entre os meus inúmeros dicionários, está a edição histórica do Webster’s New International Dictionary, de 1936, que pesa 7.1 quilos (juro, eu pesei), tem 3.350 páginas e contém um erro colossal, que passou anos despercebido e só foi corrigido, com a supressão de uma palavra que não existe, senão em 1947.

Bola fora - quem diria?

Naquela época, os verbetes eram escritos a mão em pequenas fichas de papel. O especialista em química/física escreveu “D or d. cont/density”. O que ele pretendeu foi dizer que a palavra density, em química e física, pode ser abreviada por D ou d. Alguém empastelou o manuscrito, juntou D+or+d e o resultado foi o seguinte:
dord (dôrd) n. Physics & Chem. Density
Quanto aos dicionários inglês-português, ainda fabricados com papel, o universo aqui é bem menor: Antonio Houaiss, Jelin, Landmark, Longman, Michaelis, Porto Editora e Password.  
A modéstia me impede de apontar o mais sério, o mais criterioso, o mais honesto e o quase enciclopédico dicionário bilíngue. Deixo a escolha para vocês.

Sem palavras





O 'melhor' dicionário - Parte 1

Existe o ‘melhor’ dicionário?
Às vezes me perguntam qual é o melhor dicionário inglês-inglês on line. Impossível responder a esta pergunta.

Primeiro, porque a variedade é muito grande. Se fosse possível fazer uma escolha entre dois, talvez três dicionários, quem sabe a decisão não fosse tão difícil. Mas, sem querer aborrecê-los demais, deem só uma espiada nesta pequena (e é pequena mesmo!) lista de dicionários, que eu dispus em ordem alfabética: American Heritage, Business Dictionary, Cambridge, Cobuild, Free dictionary, Linguee, Longman, Macmillan, Merriam-Webster, One Look, Oxford, Thesaurus,  Urban Dictionary, Wordnik e  Word Reference.  

Segundo, ‘melhor’ e ‘pior’ são conceitos subjetivos e variam de pessoa para pessoa. Qual o melhor filme da sua vida? E o livro que mais o impressionou? E a música mais linda? Cada um tem a sua resposta. Isso vale também para dicionários.

Eu fiz um teste: escolhi uma palavra qualquer (guzzler), pescada no The Guardian, e pesquisei-a em vários dicionários citados acima. Comparem:
Thesaurus: someone who drinks heavily (especially alcoholic beverages)
Wordnik: An immoderate drinker.
Free Dicitionary: guzzle (verb): to drink greedily or habitually; guzzler (noun) a person or thing that guzzles
Cobuild:  a person or thing that guzzles

Só que nenhuma dessas definições se aplicava ao contexto em que a palavra guzzler foi usada. Transcrevo o trecho do The Guardian, edição de 16/02/16:

Can you solve it? Are you smarter than a British 13-year-old?
Take the maths quiz that 200,000 British teenagers took earlier this month.


Hello guzzlers,
Earlier this month more than 200,000 British students aged 13 to 16 sat the 2016 UK Intermediate Mathematical Challenge.

Eu só fui achar alguma ‘dica’ do significado de guzzler no texto do The Guardian neste artigo encontrado em www.questia.com:

"Gas guzzler" is a popular term describing a car that consumes a lot of fuel per mile traveled. Such a car is generally considered ecologically and economically unsound.
My wife and I once bought a secondhand car that was not only a gas guzzler but posed an even greater problem: it turned into a "thought-guzzler." As soon as we fixed one part of it, something else went wrong and required our attention. When we finally got rid of the car, we had lost money on it. But what a relief it was to be free from the constant demand it had been making on our toughts!”
Perceberam? Guzzlers. no The Guardian, quer dizer mais ou menos isso: gente que adora resolver charadas, enigmas, testes etc.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O que você ia ser quando crescesse


Que tal?

Antigamente, era fácil responder essa pergunta. Os meninos respondiam bombeiro, astronauta e piloto. As meninas, médica de crianças, professora e bailarina. Depois de crescidos, eles e elas se tornavam advogados, engenheiros, médicos e administradores de empresa. Havia bem poucas opções – tanto nos sonhos da criançada, como no mundo real do mercado de trabalho.

Eu, por exemplo, aos 13 anos, anunciei em casa que ia ser advogado. E, realmente, me formei em Direito, ando sempre com a carteira da OAB no bolso, caso eu precise (se é que vocês me entendem), mas graças a Têmis, a deusa da Justiça na mitologia grega, nunca exerci a advocacia.
Têmis, deusa da justiça

Hoje, a coisa está bem mais complicada. “Quando eu crescer eu quero ser gerente de infraestrutura, ou coordenador de plataformas mobile e web; talvez controller ou gerente de tesouraria com foco em operações estruturadas, o que é uma boa, parece. Mas também tem as ciências moleculares, a bioenergia sucro-alcooleira e a gestão de políticas públicas, que também me atraem bastante. Que você acha, papai? Que você acha, mamãe?”

A resposta mais fácil – e não necessariamente a melhor – é: seja o que eu já sou. Você vem trabalhar comigo e mais tarde herda o meu consultório, o meu escritório, a minha firma.

Outra resposta fácil também é: cê que sabe, filho/a, o que você decidir papai e mamãe vão te apoiar, o que é uma maneira simpática de dizer: não faço a menor ideia.

E por quê? Porque há informação demais no mundo de hoje. O bombardeio é intenso e ininterrupto. É impossível manter-se a par dos milhões de notícias que nos chegam a cada segundo.
‘Kerry anuncia acordo para trégua na Síria.’ Você sabe quem é Kerry? E o que está acontecendo na Síria? Aliás, onde fica a Síria? E as eleições nos Estados Unidos, você tem acompanhado? Do Trump você já ouviu falar, mas e os outros?  Einstein estava certo quanto âs ondas gravitacionais. Que coisa, hein? Alckmin afirma que ‘quem for culpado será punido’. Mas do que raios ele está falando? ‘Juros sobem em janeiro pelo 16º mês consecutivo.’ Assim, onde é que nós vamos parar? Na imprensa internacional, o cardápio de momento é: ‘Richard Dawkins has stroke, forcing cancellation of Australia and New Zealand tour.’ Você já leu Richard Dawkins? Não? Recomendo ‘Deus, um delírio’. É ótimo. ‘Putin is a bigger threat to Europe’s existence than Isis,’ says George Soros.’ Pô, acho que esse Soros (quem é esse cara, mesmo) está exagerando. And so on and so forth.

Aos pais cabe apenas (e não é pouco) prestar atenção nos filhos, bater papo com eles e tentar vislumbrar, da maneira mais sutil possível, que habilidades e/ou competências eles parecem ter. Nada de forçar a barra. Uma coisa, porém, é certa: seja lá qual for a escolha futura, o jovem vai ter que saber – na marra, como se dizia no meu tempo – falar inglês e lidar com computador.

Lembro sempre o que me contou um amigo: depois de observar o filho apanhar da bola e não conseguir fazer mais que duas ou três ‘embaixadas’, pôs a mão na cabeça do menino e disse: “Estuda, filho, estuda, porque futebol não é sua praia.”

  




terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Oração aos não tão moços


 
 "Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!" 

Em 1920, Ruy Barbosa foi paraninfo da turma de formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Para a efeméride (!), escreveu sua famosa Oração aos Moços, que ele próprio não pôde ler, por encontrar-se acamado na época. Fê-lo (!!) o Professor Reinaldo Porchat.
But I digress.  O que isso tem a ver com o que eu pretendo escrever hoje? Provavelmente nada, mas quem sabe no fim do texto eu encontre alguma conexão...
Para as turmas do 3º Colegial, eu costumava dizer para eles prestarem atenção aos próximos dez anos após sua despedida do Porto Seguro. Seriam os anos mais importantes de suas vidas. Eles entrariam na Faculdade, formar-se-iam, começariam a trabalhar, montariam seus próprios negócios, ganhariam dinheiro, casar-se-iam e, principalmente, teriam filhos. Tudo o mais que lhes acontecesse na vida seria mera consequência desses anos. Portanto, era necessário que eles não pisassem na bola. que eles did not screw up, e que eles did their best.

Já se passou quase uma geração que eu pendurei as chuteiras, ou, para usar uma metáfora mais próxima da realidade, que eu pendurei minha caixinha de giz. Pode ser agora o momento de perguntar a vocês, quarentões e cinquentões que, lá atrás, me aguentaram por dois, três ou até mais anos: o que vocês fizeram daqueles dez anos? E o que aconteceu depois deles? E os seus filhos, tudo bem com eles? 

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Cesarino Jr. e a escola ideal


Prof. Cesarino Jr.
                            

De tudo que o Cesarino Jr., meu professor de Direito do Trabalho na São Francisco, ensinou, só guardei uma frase: ‘O ideal é o real sem os seus defeitos.’
E hoje, domingo de carnaval, comecei a pensar em como seria uma ‘escola ideal’. Infelizmente, não existem escolas ideais, pois toda escola é real e, sendo real, tem defeitos. Eu diria até que, a cada dia que passa, as escolas se tornam mais e mais reais, if you know what I mean.
A mídia, a sociedade, o governo - o mundo, enfim - exercem tal pressão sobre a escola, que é cada vez mais difícil que ela dê conta das expectativas por eles geradas.
Hoje, espera-se que a escola:
a)   prepare o aluno para se sair bem no Enem e em todos os vestibulares que abundam (!) no país;
b)   impeça o bullying, seja ele físico, psíquico, praticado na própria escola ou por via das redes sociais;
c)   faça de cada aluno, no futuro, um cidadão consciente, responsável e patriota, sem apelar para o famigerado curso de Educação Moral e Cívica;
d)   combata o zika vírus, insistindo em repisar todo dia o que a televisão não cansa de repetir;
e)   ataque todo tipo de preconceito, seja ele racial, social, físico ou religioso;
f)    proteja o meio ambiente, enfiando na cabecinha dos alunos que é deles que depende o futuro do nosso castigado planeta;
g)   seus professores sejam, cada um a seu modo, um role model inspirador para as jovens e impressionáveis educandos;
h)   e, last but not least, que conte com um corpo docente, preparado, experiente, que saiba lidar com toda e qualquer situação inusitada dentro de uma classe e que seja paciente durante as aulas e justo em suas decisões.
Escola ideal?

Se vocês souberem de uma escola assim, let me know, que eu matriculo meus netos nela.