quinta-feira, 28 de julho de 2016

Chega de joelhos!

Chega de joelhos!


Agradeço a todos que me confortaram na dolorida experiência por que passei. Já está tudo bem, com exceção de um ‘galo’ na patela, que não me deixa subir ou descer escadas, o que acabei de constatar meia hora atrás. Ou seja, na descida, dependendo das circunstâncias, nem todo santo ajuda.

Mas chega de joelho. Hoje vou falar de braços.
Em meados do século passado, eu fazia Letras Anglo-Germânicas na USP. Entre os muitos livros que a temível Mrs. Stevens, professora de Literatura Inglesa, nos fez ler, alguns dos quais eu não li, havia um em particular, uma peça de Bernard Shaw chamada ‘Arms and the Man’.

Este título se origina dos primeiros versos da Eneida, de Virgílio (‘Arma virumque cano’ – ‘Canto as armas e os homens’) e também dos Lusíadas, de Camões [“As armas e os barões assinalados...” (‘barões’ aqui quer dizer ‘varões’, homens.)]. Anos mais tarde, eu até acabei montando essa mesma peça no Colégio. Mas isso são outros quinhentos.

Trata-se de uma comédia romântica. A ação se passa durante uma guerra entre a Sérvia e a Bulgária em 1885. E a Mrs. Stevens resolveu dar uma provinha sem aviso prévio, uma coisa simples, uma redação. Tema: Justify the title of the play.


Como não tinha lido a peça, eu mal sabia do que se tratava. Só que nem me passou pela cabeça entregar a prova em branco. Se fizesse isso, I would get into her black book forever. Era um tempo em que os estudantes respeitavam e, sobretudo, temiam os professores. Não sei se vocês pegaram esse tempo.

Bom, resolvi encarar a prova. Escrevi uma longa arenga, enchendo linguiça a mais não poder.

E não para parecer diferente, mas por ser burro, cretino e estúpido, entendi que o arms do título queria dizer ‘braços’ e não ‘armas’. Páginas e páginas discorrendo sobre os braços da guerra, os braços dos soldados que morriam em combate, os braços das filhas, noivas e esposas que nunca mais envolveriam seus entes queridos quando a carnificina acabasse etc. etc. Em resumo, um monte de asneiras.

Believe it or not, tirei 7,0. Mrs. Stevens se surpreendeu com a originalidade da minha interpretação.


Sorry, Mrs. Stevens. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Joelhos


Não sei se lhes falei do meu joelho esquerdo, que começou a doer sem mais nem menos, enquanto eu lavava louça?
 
Pois bem, ontem fui atropelado por um motoqueiro, enquanto atravessava a Itapeva na faixa do pedestre em direção à São Carlos do Pinhal. O filho da puta me arremessou no chão e não parou. Fui socorrido por uma moça que tinha uma banquinha vendendo não lembro o quê naquela esquina e mais um ou dois homens que me ajudaram a me levantar. 

Passado o susto, segui em direção à Paulista para achar uma farmácia e passar um antisséptico nos ferimentos, todos no joelho direito, que a essa altura, já tinha praticamente dobrado de tamanho. 

Agora esse joelho inchou tanto que mal consigo andar. Dobrar a perna, então, está fora de questão. Voltei para casa - de carona! A dor me fez entrar num sapateiro para descansar. Uma senhora viu as manchas de sangue na minha calça e se ofereceu para me deixar em casa. Vejam que gentil! 

A Rose me levou ao Pronto Socorro da convênio. Tiraram raio-X e fizeram curativo. Não quebrou nada.

Não posso tomar nem anti-inflamatório nem analgésico, porque esses medicamentos interfeririam nos 2300 outros remédios de uso contínuo que eu traço todo dia.

A vantagem disso tudo é que eu não ligo mais para a dor do joelho esquerdo. A do direito ganha de goleada.  

domingo, 24 de julho de 2016

Base Nacional Comum Curricular


Resolvi encarar a Base Nacional Comum Curricular na parte que me toca (ou tocava, já que há tempos pendurei a caixinha de giz).

Por mera curiosidade, procurei as sugestões, ou diretrizes, ou normas, ou simplesmente palpites sobre o ensino da Língua Estrangeira Moderna a partir do 6º ano do Ensino Fundamental.

Para os que não estão habituados ao jargão peculiar dos educadores, muito apropriadamente chamado de pedagogês, já vou avisando que não é leitura fácil.

O documento se inicia por uma frase bombástica: “A base é a base.” Vocês podem não acreditar, mas é isso mesmo que está escrito lá. A base é a base. Faz lembrar Gertrude Stein com seu verso mais famoso: “A rose is a rose is a rose.” 

Ainda que abalado pela profundidade do, digamos, aforismo, senti que era meu dever seguir em frente.

Para não torrar a paciência de vocês, limito-me a reproduzir dois excertos – um, extraído do texto produzido pelo Ministério da Educação e o outro, colhido mais ou menos ao acaso na internet:

1.   A base é a base

“Durante todo o percurso escolar, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento envolvem interações significativas com textos na(s) língua(s) estrangeira(s). Essas vivências em língua estrangeira exigirão abordagens específicas e graus de complexidade, nas distintas etapas de escolarização, de acordo com os conhecimentos prévios dos/ as estudantes e as especificidades e demandas de seu contexto sociocultural, com vistas a propiciar oportunidades para:

■ compreender e produzir textos orais, escritos e multimodais na língua estrangeira;

■ fruir textos na língua estrangeira;

■ resolver desafios de compreensão e produção de textos orais, escritos e multimodais;

■ compreender e refletir sobre características de gêneros orais, escritos e multimodais na língua estrangeira;

■ apropriar-se de recursos linguístico-discursivos e culturais para compreender e produzir textos orais, escritos e multimodais na língua estrangeira;

■ compreender e valorizar o plurilinguismo, a diversidade sociocultural e a variação linguística;
■ refletir sobre a própria aprendizagem. Considerando a natureza da aprendizagem de uma língua estrangeira, que demanda oportunidades continuadas de uso da língua em interações significativas e relevantes para os/as estudantes nas etapas da educação básica e apropriação de recursos linguístico-discursivos e culturais no uso e para o uso, é importante destacar que tanto a metodologia de ensino, quanto as práticas de avaliação formativa, sejam coerentes com essa perspectiva.” (http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio)

2.   The four skills

“There are four major skills that a learner of a foreign language needs to master: listening, reading, speaking and writing. After the foreign-language classroom games, cultural activities and puzzles are over, these are the skills that a student will either have mastered or not.” (https://www.englishclub.com/learn-english/language-skills.htm)


Simples assim. Simples, mas não fácil. Ensinar uma língua estrangeira não é a piece of cake. Aprender, então, nem se fala. Dominar as tais four skills não é coisa que se faça com um pé nas costas, mas também acho que dá para se comunicar razoavelmente numa foreign language sem precisar saber o que é plurilinguismo ou o que são textos multimodais e recursos linguístico-discursivos.

Como chave de ouro, cito mais uma frase da Base: “Aprende-se uma língua estrangeira no uso e para o uso.” O Conselheiro Acácio não se expressaria melhor.






quinta-feira, 21 de julho de 2016

Pampulha

Pampulha,  Patrimônio Cultural da Humanidade

Alguns anos atrás, fui a Belo Horizonte para participar de um evento cultural, poeticamente batizado de ‘Passarela Literária’. Era uma tarde de autógrafos de vários autores distribuídos por diversas livrarias próximas umas das outras. Como estava sendo lançado um livrinho meu, resolvi participar. Passei a tarde toda batendo papo com outros escritores e, por fim, acabei autografando...um único livro. Já pensaram quanto este exemplar vai valer daqui a 100 ou 200 anos? Uma autêntica 1ª edição, assinada pelo próprio autor? Com certeza, nada, absolutamente nada.
But I digress. Era a primeira vez que visitava a cidade e, claro, quis conhecer a Pampulha. Lá chegando (de ônibus), caminhei pela calçada que beira o lago. O mau cheiro que exalava dos peixes mortos boiando perto da margem me fez atravessar a rua para ficar um pouco longe do fedor.
Aí cheguei à igrejinha. É bonita, é original. Diria até atemporal, quer dizer, nunca vai ficar fora de moda. Por dentro e por fora. Os 14 painéis pintados por Cândido Portinari, retratando a Via Crucis (atenção, Revisão: Crucis sem acento, por favor – estou escrevendo em latim), os painéis, repito, são impressionantes e vêm explicados por pequenas fichas, escritas em português e inglês.
Foi aí que eu me chateei. O cheiro do lago eu até desculpei, mas o inglês...Quase todas as fichas continham erros grosseiros. Terminada a visita, que é bem curta, já que se trata de uma capela e não de uma, digamos, catedral, fui até a secretaria e me apresentei. Disse a uma funcionária que era professor de inglês e que era chato ver tantos erros de inglês num monumento internacional como aquele. Afinal, o lugar era uma das principais atrações turísticas de Belo Horizonte, visitada por centenas de estrangeiros e aqueles erros...
Ofereci-me para corrigi-los. Reescrevi numa folha de papel todas as anotações daquelas infames fichas. A funcionária me agradeceu muito e ainda ganhei um cafezinho.
Nunca mais voltei. Agora que a Pampulha tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade, torço para que as fichas estejam corretas.


terça-feira, 19 de julho de 2016

3. O boi e o bicho-preguiça
       O boi andava agitado, irritadiço, mugindo por dá cá uma palha. Aliás, ele detestava palha, alimentando-se principalmente de feno. Não me peçam para explicar a diferença entre os dois. É um assunto chato.

       Uma manhã, o bicho-preguiça, lá do alto de uma embaúba em que passava a maior parte do tempo, percebeu a inquietação do boi e resolveu ajudá-lo, se fosse possível. O preguiça é um animal solitário e introvertido. Ele não se dá com praticamente nenhum outro bicho. Dizem até que ele é mudo. Não é verdade. Está certo que ele não tem a loquacidade de um papagaio, por exemplo, mas ele é, sim, capaz de emitir alguns sons. São ruídos muito baixinhos, praticamente inaudíveis. Quem encostar o ouvido na cara do aígue, como ele é conhecido pelos índios, vai ouvir alguma coisa como aí-aí-aí. Mas quem iria fazer uma coisa estúpida como essa, não é verdade?

       Bem, a preguiça levou o dia inteiro para descer da árvore e aproximar-se do boi. Já era noite quando ele começou a conversar. De início o boi não entendeu nada, mas, curioso, abaixou-se para escutar o que aígue tinha a dizer. E foi aí que ele ouviu um aí-aí-aí lento e constante, que parecia que não terminaria nunca. E foi assim que ele acabou adormecendo.


Moral: Nada como uma conversa fiada para fazer boi dormir.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A onça pintada sem maquiagem


       
A onça pintada estivera caçando na Ilha do Bananal. Não tendo conseguido nenhum animal por dois dias seguidos, estava com uma fome de anteontem. Resolveu beber um pouco de água no Araguaia. Ao ver sua imagem refletida no rio, notou, pela primeira vez, umas manchas no pelo.

       - Mas que negócio é esse? – exclamou. Eu nunca tinha reparado nessas pintas. Será vitiligo? Câncer de pele?

- Melhor consultar um dermatologista – sugeriu uma surucucu que passava por ali.

       O dermatologista tranquilizou-a.

       - Não há nada errado com sua pele. Todas as onças pintadas são assim.

       Ele nem cobrou pela consulta. Mas agora um belo tapete de pele de onça cobre o assoalho da sala de espera do seu consultório.


Moral: Se não te conheces a ti mesmo, alguém há de conhecer-te, e te puxarás o tapete.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Sabe o que eu acho?

Eu acho
 

Em matéria de escola, eu tenho algumas opiniões:

- eu acho que as notas deveriam ser reduzidas a três: A, B e C.  Nada de 8,0, 8,5 etc. Quem tira A é bom e passa; quem tira B é médio e também passa; quem tira C não passa.

- acho que as provas deveriam ser aplicadas periodicamente a todos alunos, até o momento que o professor passe a conhecer bem seus alunos. Depois disso, deveria ser possível dispensar os melhores alunos de submeter-se a uma avaliação em que, de antemão, o professor sabe que aquele aluno vai se sair bem. Lembro-me de um aluno que falava inglês melhor do que eu e que faltou a uma prova minha. Eu precisei preparar-lhe uma prova substitutiva, sabendo que ele tiraria no mínimo 9,0 ou 9,5. Tirou 8,5. E daí? Pura perda de tempo. Vez ou outra, eu fazia a seguinte experiência: durante a aplicação de uma prova: eu ia de carteira em carteira, escrevendo a lápis a nota que eu achava que o aluno ia tirar. Nunca errei por mais de um ponto, para mais ou para menos. Em resumo, depois de um certo tempo, só os alunos com aproveitamento insatisfatório é que fariam a prova.

- eu acho que o aluno tem que tomar cuidado com o professor, que, como eu costumava dizer, mora longe e ganha pouco. O aluno que atrapalha a aula e irrita o professor vai para a Diretoria e fica na marca do pênalti: se aprontar de novo, rua!

- acho que esse negócio de ‘aprender brincando’ só vale para quem vai à escola para brincar. Aprender é difícil, é chato e leva muito tempo. “Brincano, brincano, no se va lontano”, diria um analfabeto em italiano como eu.

- eu acho que o vestibular (existe isso ainda?) para a carreira de professor – de qualquer disciplina – deveria ser tão rigoroso quanto o de medicina, engenharia etc. O curso também deveria ser bem exigente. Ao se formar, o professor deveria ter a oportunidade de obter um bom trabalho e um salário mais do que decente.

- eu acho que a cola é uma ofensa ao professor. Eu nunca perdoei os pouquíssimos alunos que eu peguei colando. Tive um professor que, ao devolver a prova corrigida nas mãos de um aluno que tirou zero, disse-lhe: “Eu venho aqui a esta sala quatro vezes por semana e você, em quatro semanas, não conseguiu aprender nada, absolutamente nada do que eu lhe ensinei? Este zero é mais um sinal do meu fracasso do que o seu.” Um aluno que cola também está dando um zero para o professor.

- eu acho que o sistema de antigamente, em que os alunos, ao terminar a 4ª série do ginásio (não sei que nome idiota tem isso agora), optava pelo clássico (português, línguas estrangeiras, história, geografia, ciências humanas de maneira geral) ou pelo científico (português, línguas estrangeiras, matemática, física, química e biologia). Pouquíssimos alunos podem se sair bem em todas as matérias que lhe enfiam goela abaixo hoje em dia.

- eu acho que o ensino do português deveria ser o mais aprofundado possível. O estudo da nossa gramática é indispensável. Não suporto constatar que advogados, médicos, engenheiros etc. cometem toda sorte de erros. Jornais e revistas vêm recheados de bobagens do tipo “fazem três meses que...”; “haviam muitas pessoas que...”; “eu não esqueci-me”; “os homens que rebelaram-se...”. Também não custa nada aos âncoras da televisão pronunciar gratuito e fortuito com a tônica no ‘u’.

- acho que não há nada errado com a chamada aula expositiva, tão criticada por tanta gente. Se o professor conhece sua disciplina, explica bem, dialoga com a classe, não vejo por que tal método seja pior do que o estudo em grupo. Abro uma exceção para o ‘pair work’, indispensável num curso de inglês. Quem é do ramo sabe do que estou falando.

- acho que o uso da internet na sala de aula é uma faca de tantos gumes, que é melhor eu me calar. Afinal, sou do tempo do giz, da máquina de escrever e do mimeógrafo a álcool.


- acho que é isso que eu acho.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O professor neutro

O professor neutro
Quando ainda professor, sempre senti falta de uma matéria na grade curricular. Uma matéria que poderia chamar-se Vida. Parecia utópico e irreal, - e talvez seja mesmo. Mas esse negócio de “bate o sinal, entra o professor de matemática; bate o sinal, sai o de matemática, entre o de história; bate o sinal, sai o de história, entre o de português” até o fim das aulas, nunca me cheirou bem.

Tinha que haver alguém que levantasse dúvidas no espírito dos alunos, que propusesse temas para debates, assuntos que ultrapassariam os pobres limites das briófitas, dos relative pronouns ou da tabela periódica.

Mas quem seria esse professor? Para começar, essa pessoa nem seria um professor. Afinal, não há como ensinar vida numa sala de aula. Seria talvez mais apropriado chamá-lo de mediador. Ele entraria na sala e, da maneira mais informal, sem fazer a chamada, sem pedir silêncio, sem esperar coisa alguma, começaria a falar sobre, por exemplo, a existência (ou inexistência) de Deus. Ou sobre as vantagens (ou desvantagens) do uso da maconha.

Assunto não faltaria.

Seria necessário que o tal mediador não se envolvesse pessoalmente nos debates. Ele, na qualidade de pessoa mais velha e, portanto, mais experiente do grupo, não poderia tomar partido.

Seria difícil, se não impossível. Não existe essa coisa da neutralidade na sala de aula. A menos que o professor fosse um robô.

Mas haveria uma saída:
- Professor, o certo é acrobata ou acróbata?
- Uns dizem acrobata, outros, acróbata.
- Mas o senhor, como o senhor diz?

- Eu às vezes digo acróbata, às vezes digo acrobata.