sexta-feira, 29 de abril de 2016

Teste de português e matemática





Ontem (28/4), a Folha de São Paulo publicou um pequeno teste de conhecimentos de português e matemática. Seria de bom alvitre (!) dar uma espiada no  http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/04/1764520-quiz-teste-seus-conhecimentos-sobre-portugues-e-matematica.shtml. Acho que tem relação com o analfabetismo funcional de que eu comecei a tratar ontem mesmo. Mera coincidência.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Analfabetismo funcional em inglês

                                               
O que é um analfabeto funcional? De maneira bem direta, pode-se dizer que é aquele que, apesar de saber ler, escrever e fazer contas simples, é incapaz entender um artigo de jornal ou revista, preencher um cadastro ou realizar operações básicas no computador.

Neste post, e no próximo, vou propor alguns exercícios em inglês que não são de minha autoria. Extraí-os (!) de várias fontes quando dei uma palestra sobre o assunto anos atrás.

São abordagens variadas, todas visando testar os reading comprehension skills dos alunos.

1.   Choose the right answer:

A)  He used to write home once a week.
From this sentence we understand that he
a)   enjoys writing home every week.
b)   never fails to write a weekly letter home.
c)   doesn’t now write home once a week.
d)   was forced to write home every week.

B)  The holiday wouldn’t have cost so much if they hadn’t gone abroad.
From this sentence we know that
a)   they went abroad for the holiday and spent a lot.
b)   they didn’t go abroad for the holiday, so they didn’t spend much.
c)   they had a holiday abroad at a very low cost.
d)   the holiday cost as much as a foreign holiday would have cost.

2.   In which of the places listed would you be most likely to find these notices?

(  ) SAFETY HELMETS MUST BE WORN
(  ) ALL TROLLEYS MUST BE RETURNED TO THE STORE
(  ) TRANSIT PASSENGERS ONLY
(  ) LATECOMERS WILL NOT BE ADMITTED UNTIL A SUITABLE BREAK IN THE PLAY
(  ) PLEASE DO NOT FEED THE ANIMALS
(  ) NO PARKING – AMBULANCES ONLY
(  ) THIEVES WILL BE PROSECUTED
(  ) QUIET, PLEASE
(  ) YOU ARE KIDLY REQUESTED NOT TO SMOKE DURING THE PERFORMANCE
(  ) PLEASE DO NOT TOUCH THE EXHIBITS

(a)  supermarket exit             (g) shop
(b)  museum                          (h) zoo
(c)  stadium                           (i)  hospital 
(d)  building site                     (j)  theatre
(e)  restaurant                        (k) library
(f)   airport                              (j)  concert hall

3.   Read the following insructions anddo what they say:

a)   If Paris is the capital of France, put a D in box 4.
b)   If 3 + 3 = 6, ignore the next sentence.
c)   If New York is in the United States, put a B in Box 1.
d)   If these questions are written in English, put an O in Box 2.
e)   If horses live in the sea, put an X in Box 3.
f)    If cats drink milk, put a G in Box 1.
g)   If English is not your mother tongue, ignore the next two sentences.
h)   If most birds can fly, put an L in Box 2.
i)     If London is the capital of England, put an I in Box 1.
j)     If 3 + 3 = 5, put a V in Box 2.
k)   If January is the first month of the year, put an O in Box 3.

[ ]           [ ]                [ ]                [ ]
1            2                 3                 4      

4.   Match the vocabulary on the left with th questions on the right:

(a) Surname       ( ) Where do you live?
(b) Forename     ( ) Where were you born?
(c) Address         ( ) How old are you?
(d) Age                ( ) What’s your cell phone number?
(e) Date of birth  ( ) What’s your family name?
(f)  Place of birth ( ) Are you male or female?
(g) Tel. no.          ( ) Are you married, single, divorced or
widowed?
         (h)Sex                 ( ) What was your name before you were
                                      married?
(i)Occupation     ( ) What is your first name?
(j)Marital status  ( ) Where were you born?
(k)Maiden name ( ) What’s your job?

5.   Look at the signs below. What do they mean?


MIND YOUR HEAD

a)   Watch out for falling bricks.
b)   Avoid this doorway.
c)   Remember to cover your head.
d)   Remember to lower your head.

PLEASE STAND CLEAR OF THE DOORS

a)   Don’t wait in front of the doors.
b)   The doors are not in use.
c)   Make a queue in front of the doors.
d)   Please use other doors.

MEN WORKING OVERHEAD

a)   Workmen are digging.
b)   Workmen are on overtime.
c)   Workmen are up above.
d)   Workmen are inside this building.

IN THE EVEN OF FIRE DO NOT USE THE LIFT

a)   Do not waste time using the stairs.
b)   Get out through the emergency door.
c)   You must use the stairs instead of the lift.
d)   Keep the road free for emergency services.

CHILDREN’S APPEAL – PLEASE BE GENEROUS

a)   Leave your child here.
b)   Buy a child’s present here.
c)   Please give some money.
d)   Collect your child here.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Biografia não autorizada de Shakespeare - Parte final

            

Se Shakspere desperta tanto interesse, deve haver alguma razão. E a razão é esta: suas peças são atemporais, ou se quiserem, eternas. Por quê? Por que as emoções que elas retratam são as emoções que todo ser humano sente. O amor, o ódio, o ciúme, a inveja, a ira, a ambição, o medo – tudo isso sentiam tanto o homem das cavernas como o filósofo de Atenas, da mesma forma que sentem hoje tanto o seringueiro da Amazônia quanto o executivo de Tóquio.

            Para o leitor moderno, Shakespeare não é nada fácil. ´Todo estudante americano, canadense, inglês ou australiano tem que encarar o Bardo no ensino secundário. Mas sem as notinhas de rodapé e uma mãozinha do professor ninguém entende coisas como “Whence comest thou?” (Donde vens?). Felizmente o cinema já se encarregou de transpor para a tela praticamente toda a obra do Bardo. A seguir duas listas: uma, de filmes que são versões fiéis de suas peças e outra, de adaptações modernas baseadas em sua obra.

Lista 1 (versões fiéis)
Como gostais, com Kenneth Branagh (2006)
Hamlet, com Lawrence Olivier (1948)
Júlio César, com Marlon Brando (1953)
Macbeth, de Roman Polanski (1971)
A megera domada, com Elizabeth Taylor e Richard Burton (1967)
O mercador de Veneza, com Al Pacino (2004)
Muito barulho por nada, com Kenneth Branagh (1993)
Otelo, com Orson Wells (1952)
Romeu e Julieta, dirigido por Franco Zeffirelli (1968) e por Baz Luhmann (1996)
Sonho de uma noite de verão, com Michelle Pfeiffer (1999)

Lista 2 (adaptações)
Amor, sublime amor, com Natalie Wood e Richard Beymer (1961), baseado em Romeu e Julieta
O casamento de Romeu e Julieta, com Luana Piovani e Marco Ricca (2005)
Dez coisas que eu odeio em você, com Julia Stiles (1999), baseado em A megera domada
A herança, de Ozualdo Candeias (1970), baseado em Hamlet
Homens de respeito, com John Torturro (1991), baseado em Macbeth
Jogo de intrigas, com Julia Stiles (2001), baseado em Otelo
Ran (Os senhores da guerra), de Akira Kurosawa (1985), baseado em Rei Lear
O Rei Leão, desenho animado de Walt Disney (1994), baseado em Hamlet
Terras perdidas, com Michelle Pfeiffer (1997), baseado em Rei Lear
Trono manchado de sangue, de Akira Kurosawa (1957), baseado em Macbeth

Garotos de programa, com Keanu Reeves e River Phoenix (1991), baseado em Henrique IV e Henrique V

terça-feira, 19 de abril de 2016

Biografia não autorizada de Shakespeare - Parte 2

The Globe
Em 1599 Shakespeare, em sociedade com outros atores, construiu o seu próprio teatro, o Globe Theatre, com a ajuda, é claro, da Rainha. Mas o empreendimento não deu muito certo. O teatro pegou fogo em 29 de junho de 1613, durante uma apresentação de Henry VIII. Embora o teatro estivesse cheio, ninguém se feriu, com exceção de um senhor cujas calças se incendiaram. O pobre homem se salvou porque jogaram um galão de cerveja nele. Observem a coincidência. Foi também num 29 de junho que o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo na Suécia, em 1958. É claro que isso não tem nada a ver, mas eu não me contive. Desculpe.

Um ano depois o Globe foi reconstruído e funcionou até 1642, quando foi fechado por motivos religiosos. Não vou entrar em detalhes porque a essa altura Shakespeare já tinha morrido. O teatro foi demolido em 1644. E não se fala mais nisso. Ou se fala: hoje existe uma réplica tão fiel quanto possível do Globe original, feita inteiramente de madeira, sem a utilização de pregos, que não existiam na época, e com telhado de sapê. É a única construção com esse tipo de telhado permitida em Londres desde o grande incêndio de 1666, que durou quatro dias, destruiu 13.000 casas, 87 igrejas mas só matou seis pessoas. Como isso foi possível só Deus sabe.

Em 1597 morreu Hamnet, o filho de Shakespeare. Alguns meses depois ele comprou uma bruta casa em Stratford, a New House, na esquina da Chapel Street com a Chapel Lane.  Pagou uma pechincha, 60 libras. Era a segunda maior casa da cidade, mas estava em péssimo estado de conservação. Levou tanto tempo para reformar que Shakespeare só pôde se mudar de vez em 1610. A mulher de Shakespeare, apesar de a casa ser de madeira e tijolo, o que era uma novidade na época, e de ter dez lareiras, não cansava de dizer que aquilo era um muquifo. Adivinha em quem “A megera domada” foi inspirada... A casa não existe mais: foi demolida em 1759. Só existe no terreno uma árvore que dizem que foi plantada pelo próprio Shakespeare. Não foi.

Shakespeare redigiu seu testamento em 1611, deixando a casa em que morava para a filha Susanna, a essa época já casada com o Dr. John Hall, um médico influente em Stratford.  Para a outra filha, Judith, ele deixou 300 libras, e para a esposa, “aquela adder”, como Shakespeare se referia à mulher, a segunda melhor cama da casa. A primeira, é óbvio, ficou para a filha mais velha. Para quem não sabe, adder é o nome da única cobra venenosa da Grã-Bretanha. A viúva chegou a pensar em anular o testamento, mas foi dissuadida pelo genro, o Dr. Hall. “Se a senhora entrar com uma ação na justiça, eu juro que ponho veneno na sua comida”, disse o bondoso esculápio, numa tarde em que ela estava tomando chá com torradas na New House. Prudentemente, ela pôs de volta no pires a xícara que estava prestes a levar à boca.

Shakespeare faleceu em 24 de abril de 1616 aos 52 anos de idade. Numa época em que poucos homens chegavam aos 40, ele devia parecer um ancião. Depois de mais uma noite de esbórnia em companhia do poeta Ben Jonson (assim mesmo, sem h), ele chegou em casa, desabou na cama sob o olhar reprovador da esposa e bateu as botas.


Para aumentar a lenda em torno do Bardo, dizem que ele morreu no dia 23, isto é, no dia do aniversário dele. Balela. Ele morreu mesmo no dia 24 e foi enterrado no dia 25 na Igreja da Santíssima Trindade, lá mesmo em Stratford.  
Na Westminster Abbey em Londres, existe uma pequena área chamada Poets’ Corner (o Canto dos Poetas), em que estão sepultados muitos poetas (é claro), além de dramaturgos e escritores em geral, tais como Geoffrey Chaucer (considerado o pai da literatura inglesa, por ter escrito em plena Idade Média as Canterbury Tales de um jeito que, com muita condescendência, dá para chamar de ‘inglês moderno’. Pois sim! Tente ler aquilo.), Charles Dickens (autor de David Copperfield e Oliver Twist, entre muitos outros), Rudyard Kipling (criador das histórias sobre Mowgli e os animais) e tantos outros. Shakespeare, contudo, com certeza o maior de todos, não está lá. Por quê? Porque em sua tumba ele determinou que fosse inscrita a seguinte praga:

Bendito amigo, por Jesus, abstenha-se
de profanar o pó aqui enterrado.
Bendito seja o homem que respeite estas pedras
e maldito o que remover meus ossos.

            Em 1623, John Heminges e Henry Condell, dois amigos e sócios de Shakespeare na companhia de teatro The King’s Men, publicaram o First Folio, a primeira edição completa das suas peças e ai começaram as fofocas, as maledicências, o diz que diz que. Que Shakespeare era isso, que Shakespeare era aquilo, um inferno. E tudo isso por quê? Vou explicar.

            Em primeiro lugar, há mais de 80 variações da grafia do nome William  Shakespeare: Shappere, Shaxberd, Willm Shakp, Willm Shakespeare, William Shakspeare etc. De uma vez por todas, é Shakspere, pelo amor de Deus! É assim que ele foi batizado e é assim que eu vou passar a grafar o seu nome. Quem duvidar é só verificar sua certidão de nascimento lá na igreja em Stratford.

            Em segundo lugar, tem gente que acha que um cara que nasceu numa família pobre e não fez faculdade não poderia ter escrito aquelas 37 peças de teatro, sem falar nos 154 sonetos. Como alguém, questionam esses incrédulos, que não esquentou os bancos escolares por mais de cinco ou seis anos, poderia ter criado mais de 1700 palavras novas, que hoje são de uso corrente, como por exemplo lonely, champion, majestic, torture, schoolboy, useful? Ou nomes de pessoas, tais como Olivia, Miranda, Jessica e Cordelia? Como seria possível que alguém, sem consultar nenhum dicionário, que, aliás, nem existia na época, pudesse dominar um vocabulário de mais 30.000 palavras, o triplo ou o quádruplo de uma pessoa medianamente escolarizada? Como alguém, sem ter passado por Oxford ou Cambridge, poderia estar familiarizado com fatos históricos, acidentes geográficos, particularidades a respeito das figuras da corte, além de ser um profundo conhecedor da Bíblia? Entre as pessoas a quem se atribuem as obras de Shakspere estão Francis Bacon (Chico Toicinho, para os íntimos), Edward De Vere [17º Conde de Oxford, cujo brasão era a lion shaking a spear (um leão brandindo uma espada – notaram a sutileza?)], Christopher Marlowe (dramaturgo, poeta e tradutor, que morreu esfaqueado numa briga de bar), além de outros menos votados. Puro preconceito. Foi Shakspere mesmo, e ninguém mais, que escreveu tudo aquilo. E digo mais: ele escreveu mais duas ou três peças e uns dez sonetos, que infelizmente se perderam no incêndio do Globe Theatre. Considerando toda a obra do Bardo, o Google nos informa que ele escreveu 884.647 palavras. O que isso quer dizer eu não faço a menor ideia.

            Em terceiro lugar, a polêmica sobre a verdadeira aparência de Shakspere. Ninguém sabe exatamente como ele era. Quer dizer, ninguém, não. Eu sei.  O primeiro retrato do Bardo foi pintado por Richard Burbage, um velho amigo, na primeira década do século XVII. Muito a contragosto, Shakspere concordou em posar para Burbage, contanto que ele não pintasse o brinquinho que ele usava na orelha esquerda. Mas Burbage argumentou que não havia nada demais, que era moda, que ninguém ia duvidar da sua masculinidade, enfim que era para parar de frescura. E assim foi feito. O resultado final não agradou o poeta. Já o retrato, digamos, “oficial” do Bardo apareceu no frontispício do First Folio em 1623, sete anos depois de sua morte. Foi feito por Martin Droeshout, que criou a imagem que hoje conhecemos, com base em informações de amigos do poeta. Ele nunca viu o retrato pintado por Burbage, e na verdade, Droeshout nem sequer chegou a conhecer o Bardo pessoalmente. Quando Shakspere morreu ele tinha apenas 15 anos de idade. Portanto, devemos desculpá-lo pelo péssimo trabalho. Era jovem ainda, inexperiente, e pintou de cabeça. Reparem na testa de Shakspere: mais parece um ovo com uma peruca em cima.  Mas ele omitiu o brinquinho.
Sem brinquinho

            Em quarto lugar, qual a verdadeira origem da fortuna de Shakespeare? Atribuí-la aos direitos autorais pela venda de sua produção literária é ignorar o mercado da época. Ninguém ganhava dinheiro escrevendo livros. Ainda hoje a situação é precária. A noção de best-sellers é relativamente recente. Não, esqueçam as peças e os sonetos. Era como ator, empresário e sócio dos teatros em que trabalhava que ele ganhava a cerveja de cada dia.
            Em quinto lugar, que tipo de homem era Shakspere? Posso garantir que o cara era macho mesmo. Para ser bem sucedido naquele meio teatral, tinha que ser valente. O teatro, como instituição, era muito mal visto pelas autoridades. Aquilo lá “é um antro de ladrões, prostitutas, vigaristas e arruaceiros de toda espécie”, chegou a dizer o prefeito de Londres numa audiência com a Rainha Elizabeth. E era verdade, mas e daí? A rainha gostava e fim de papo.

            Em sexto lugar, a família de Shakspere. Como toda família, um misto de alegrias e tristezas. Para começar, ele teve sete irmãos, dos quais só um viveu mais do que ele: Joan, sua irmã mais nova, que morreu com a espantosa idade – para a época - de 77 anos. É a única parente de Shakspere que tem descendentes até hoje. Os outros irmãos foram todos vítimas da peste bubônica. Já sabemos que o filho do poeta, Hamnet, morreu aos 11 anos. Sua filha mais velha, Susanna, lhe deu uma neta, Elizabeth, que não teve filhos. Sua outra filha, Judith, casou-se, teve vários filhos, mas nenhum deles sobreviveu. Quer dizer, hoje não há ninguém que possa honestamente estufar o peito e dizer “meu tataratataratataratatartataravô Shakespere...”

            Em sétimo lugar, há mais de 157 milhões de páginas sobre Shakspere no Google, mais do que as 132 milhões sobre Deus, ou as 2.7 milhões sobre Elvis Presley. No meio dessas páginas, a gente encontra coisas do tipo: “Shakspere é um dramaturgo elizabetano”. Nem tanto. É só ver o estilo dele. Quase todas as suas peças mais populares foram escritas depois da morte de Elizabeth I em 1603. Durante o reinado de James I, de 1603 a 1625, Shakspere escreveu, entre outras, Macbeth, King Lear, Othelo e The Tempest. Portanto, é mais correto dizer que o Bardo é um poeta meio elizabetano, meio jacobino, termo este derivado, como todos sabem, de Jacobus, a forma latina de James. Outra inverdade muito frequente diz respeito à religião de Shakspere. Um tal de Richard Davies, que o conheceu pessoalmente, disse, alguns anos após a morte do poeta, que ele era católico. Não era. Acreditem, não era. Ele não ia ser besta de se insurgir contra a religião oficial depois de tudo que os monarcas anglicanos fizeram por ele.


            Last but not least  será que Shakespere era gay? Afinal, dizem, quase todos os 154 sonetos que escreveu se dirigem a um homem. Mas caramba! Chico Buarque também escreveu letras de músicas como se ele, Chico, fosse mulher. Alguém aí duvida que o homem é espada? Então, o mesmo raciocínio se aplica ao Bardo. Será que algum energúmeno, ao contemplar o teto da Capela Sistina no Vaticano, vai exclamar: “E olha que o cara era bicha, ein!” Tchaikovski era gay, certo? Nem por isso, “O Quebra-Nozes” ou “O Lago dos Cisnes” são menos belos. E o que dizer de Michelangelo, Oscar Wilde, Garcia Lorca, Pasolini, e tantos outros? Ein, ein? 

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Biografia não autorizada de Shakespeare - Parte 1


William Shakespeare é, sem dúvida, o dramaturgo mais famoso do mundo. Suas tragédias e comédias vêm sendo encenadas nos quatro cantos da Terra há mais de 400 anos. Não se passa um único dia sem que várias de suas peças sejam produzidas em algum lugar do planeta.

Shakespeare viveu na época do Renascimento, em que as artes, a cultura e as ciências floresceram. Em toda a Europa Ocidental, fervilhavam novas ideias sobre Deus, a natureza do homem e o seu papel no universo, graças à tradução dos clássicos latinos e gregos, à invenção da prensa de Gutenberg, às descobertas de novos mundos, como a América e o Brasil, e ao telescópio de Galileu. O limitado mundo europeu ia se expandindo rapidamente e assim a Inglaterra dos séculos XV e XVI pôde testemunhar um tempo de grandes realizações literárias e teatrais, estimuladas e patrocinadas pela Rainha Elizabeth I e seu primo e sucessor James I. Shakespeare não poderia ter nascido em ambiente mais propício.

No entanto, a despeito de toda sua fama, muito pouco se sabe de sua vida pessoal, e por isso eu decidi preencher as muitas lacunas que cercam o misterioso Bardo, como ele é de vez em quando chamado.

William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon, uma cidadezinha às margens do rio Avon, como o próprio nome indica. Na Inglaterra eles têm essa mania de, já no nome, dar uma dica da geografia do lugar, como por exemplo, Twerton-on-Avon, que também fica perto do mesmo rio, ou Weston-super-Mare, situada, é óbvio, à beira mar. Bom, Stratford está encravada no coração da Inglaterra, a cerca de 130 km de Londres. Se hoje a população é de menos de 30.000 habitantes, imagine no século XVI!

Shakespeare foi batizado na igrejinha local, a Holy Trinity Church em abril de 1564. Mas em que dia ele nasceu? Uns dizem 23, outros 24, 25. Eu digo 23.

O pai de Shakespeare, John Shakespeare, comeu o pão que o diabo amassou até se tornar alguém em Stratford. Como era um sujeito de maus bofes, vira e mexe se metia em encrenca e, de pavio muito curto, não parava em emprego nenhum. Foi açougueiro, pintor de parede, ferreiro e marceneiro. Atribui-se a ele a invenção da mesa de jantar com tampo reversível. Terminada a refeição, era só virar o tampo. Não era preciso limpar a mesa. Os restos de comida caíam no chão e os cães da casa se encarregavam da limpeza.  Prático, não? Talher não havia. Toalha de mesa, menos ainda. Comia-se com a mão.

Durante um tempo Mr. Shakespeare foi negociante de couro e lã. Depois passou a fabricar luvas, com o couro e a lã que roubava dos fregueses, até que conseguiu o emprego dos seus sonhos, o de ‘fiscal de malte’, emprego este dos mais cobiçados, pois consistia em experimentar todo tipo de cerveja e uísque produzido na região. Não durou mais que dois anos no serviço por estar sempre de fogo.

Algum tempo mais tarde, John deu o chamado golpe do baú: casou-se com Mary Arden, filha de um rico fazendeiro, Edward Arden, para quem seu pai, avô de William, havia trabalhado. Dessa maneira, John Shakespeare tornou-se um agiota, emprestando dinheiro a juros para lá de extorsivos. O homem se tornou tão importante que chegou a ser eleito prefeito de Stratford, apesar de analfabeto. O cara assinava o nome com um x!

Graças a inúmeros trambiques, acabou provocando a ira de vários de seus eleitores, os quais o expulsaram da prefeitura e lhe deram o calote, o que o levou à falência. O que pode ter contribuído para a desgraça de John foi o fato de que o sogro era um católico fervoroso num tempo em que a rainha Elizabeth I era a chefe da Igreja Anglicana. O homem era desbocado, andou falando mal de um tal de Robert Dudley, um sujeito muito amigo da Rainha Virgem, se é que vocês me entendem, e não deu outra: ele acabou enforcado e esquartejado na Torre de Londres, onde hoje se expõem as Joias da Coroa, a mais preciosa das quais...Esquece.    

Shakespeare frequentou a única escola que havia na cidade e teve noções básicas do que era chamado popular e jocosamente de the three rs (os três Rs): reading, (w)riting and (a)rithmetic (ler, escrever e fazer contas), além de um pouco de latim, tendo inclusive tatuado a frase Amor amore compensatur (Amor com amor se paga) no traseiro.

Em 1582, Shakespeare, com apenas 18 anos, fez uma tremenda besteira. Quando se preparava para prestar o vestibular em Oxford, que fica pertinho de Stratford – duas horas de trem, que, claro, ainda não tinha sido inventado - ele começou a namorar uma moça chamada Anne Hathaway. Eu digo moça por educação. Afinal, ela já estava com 26 anos, ou seja, era oito anos mais velha que ele. Naquele tempo, já era considerada uma respeitável coroa. E não deu outra: a mulher engravidou. Foi um escândalo. Shakespeare não teve outro jeito senão casar com Anne às pressas. Foi no dia 28 de novembro. Na época, era costume anunciar um casamento na igreja em três domingos seguidos. O deles só foi anunciado uma única vez. O pároco levou uma grana para abrir tão incomum exceção. Em maio do ano seguinte, Anne H. Shakespeare deu à luz a filha Susanna.

William e Anne nunca se deram muito bem. Prova disso é que em seu testamento, Shakespeare, de pura sacanagem, deixou para a esposa, “sua segunda melhor cama”. Cabe aqui uma explicação: a melhor cama costumava ser a cama do que hoje seria chamado de quarto de hóspedes. A segunda melhor cama era a cama do casal. Entenderam, né?

A verdade é que viviam brigando, porque Anne, que era uma ignorante, implicava com a mania do marido de fazer poesia e caçar veados (digo isso sem nenhuma malícia). Volta e meia Shakespeare saía de casa e passava dias e dias longe da família. Mas depois voltava, quase sempre bêbado. De vez em quando, ele arranjava alguns alunos particulares para dar aula de latim. Os alunos não duravam muito. As aulas eram muito chatas. Como o seu latim era limitadíssimo, a única coisa que os seus poucos alunos faziam era decorar a primeira e a segunda declinação: rosa-rosae-rosae-rosam-rosa-rosa; lupus-lupi-lupo-lupum-lupe-lupo.  A escola, que ainda existe, conserva até hoje uma carteira em que um aluno entalhou com canivete a frase Shakspere filius eguae (Shakespeare filho de uma égua).  

Não obstante, embora o ambiente doméstico fosse frequentemente abalado pelos arranca-rabos entre os dois, um ano e meio depois do casamento, em 2 de fevereiro de 1585, os Shakespeares tiveram gêmeos, Hamnet e Judith.  O pobre Hamnet morreu de peste bubônica aos 11 anos de idade. “A Tragédia de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca” era para se chamar Hamnet em homenagem ao filho, mas Shakespeare tinha uma letra horrível e acabou ficando Hamlet mesmo.

Até hoje não se sabia o que Shakespeare fez entre os anos de 1585, quando os gêmeos foram batizados em Stratford, e 1592, quando em Londres um tal de Robert Greene, ator e crítico de arte, faz uma citação de seu nome. Mas eu sei.  Esses sete anos, até recentemente, eram conhecidos por the lost years (os anos perdidos), por não haver nenhum registro de suas atividades. Mas é claro que não podia haver nada durante esse tempo: o homem, além de frequentar todos os pubs de sua cidade natal – e havia vários! – adorava caçar, como já foi ressaltado acima. Ele e seus amigos ficavam às vezes semanas caçando veados, coelhos e patos. Até que um dia ele, que na ocasião estava mais bêbado do que o habitual, entrou nas terras de um sujeito chamado Thomas Lucy, que, apesar desse nome suave, era bravo feito um leão. Ao ser surpreendido abatendo um belo veado (sempre – insisto – no bom sentido), Shakespeare não teve outra alternativa senão pegar a mulher e os filhos e fugir em desabalada carreira para Londres. Durante séculos especulou-se que ele chegou a dar aula numa escolinha em Lancashire, mas isso é mentira. A verdade é que ele não fez outra coisa senão encher a cara, escrever poemas – muito ruins, por sinal, tanto assim que ele os queimou todos – e caçar...bem, vocês já sabem o quê.

Ao chegar em Londres, porém, a coisa mudou. Primeiro, porque praticamente não havia o que caçar na capital e, segundo, porque o custo de vida de Londres sempre foi altíssimo. Ainda hoje é assim. Um pint de cerveja custa quase...mas isso é outra história. O fato é que Anne ameaçou dar uma surra no marido se ele não arranjasse um emprego, qualquer emprego, desde que as crianças não morressem de fome. Shakespeare, que não sabia fazer nada a não ser escrever versos e abater animais em caçadas, tratou de se aproximar das companhias de teatro. Começou como faxineiro e foi aos poucos subindo no que mais tarde se convencionou chamar de show business. Foi contrarregra, maquinista, “ponto” (aquele camarada que, da coxia, assopra as falas para os atores no palco), ator coadjuvante e, finalmente, autor de textos.

O teatro daquela época era barra pesada, tão barra pesada que mulher não podia ser atriz. Os papéis femininos eram desempenhados por rapazes imberbes, o que provocava na plateia reações das mais indignadas. Além disso, a plateia não ficava sentada, mesmo porque não havia assentos, só os mais ricos se sentavam nas galerias superiores, correspondentes aos camarotes dos bacanas de nossos tempos. O povão levava comida e bebida para dentro do recinto. A galera aplaudia, vaiava e às vezes atirava tomates, cenouras e legumes variados nos atores. Uma vez, um ator ficou doente e Shakespeare fez o papel do Fantasma em Hamlet. Um tomate quase lhe acertou a testa. Ele ficou furioso e saiu do palco. O pessoal vaiou tanto que ele voltou e terminou a cena. “Cambada de ignorantes”, ele murmurou entredentes.

Mesmo assim, ao ler a crítica que Robert Greene lhe fizera, Shakespeare limitou-se a dizer: “Eles vão ter que me engolir”. Para vocês terem uma ideia da dor de cotovelo do crítico, vejam o que ele escreveu sobre Shakespeare: “um corvo carreirista, enfeitado com nossa plumagem, que, com seu coração de tigre envolto numa pele de ator, se acha capaz de arrasar com seus versos brancos...” E por ai vai. Eta cara invejoso! Como vingança, Shakespeare, na peça “O mercador de Veneza”, inventou a expressão green-eyed monster (o monstro de olhos verdes) como metáfora para o ciúme, fazendo alusão ao sobrenome do infeliz Bob Greene.

A coisa voltou a ficar preta em 1593, embora a essa altura ele já tivesse publicado Venus e Adonis e no ano seguinte Lucrécia. Acontece que uma epidemia de peste bubônica fez com que todos os teatros fossem fechados, para que a doença não se alastrasse ainda mais rapidamente.  No fim de 1594, os teatros foram novamente abertos.

Para azar de seus detratores, Shakespeare teve uma ascensão meteórica. Naquele mesmo ano, 50 anos após a fundação da cidade de São Paulo (perdão, estou fugindo do assunto outra vez...), ele entrou para os Lord Chamberlain’s Men, uma companhia de teatro que passou a chamar-se The King’s Men depois que James I subiu ao trono em 1603, como sucessor de Elizabeth I, a Rainha Virgem, que também era vidrada em teatro. Agora, cá entre nós, Rainha Virgem? Rainha Virgem uma ova! Mas isso é uma outra história. De qualquer forma, o homem contava com o respaldo da corte. Tanto a rainha como, depois, o Rei davam o maior apoio à companhia, prestigiando as estreias das peças com sua real presença e cacifando várias montagens.


A sra. Shakespeare agora não tinha do que se queixar. O marido estava ganhando os tubos, era paparicado pela imprensa, suas peças eram extremamente populares, sendo inclusive vendidas na porta do teatro para as poucas pessoas que sabiam ler. Isso não dava muito dinheiro – 5 pence, uma merreca - mas causava furor na sociedade do tempo. Nunca antes na história daquele país um dramaturgo havia transformado seus textos em literatura popular.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Shakespeare mal traduzido - Parte II


O cara nunca sai de moda

Imagine-se de pé, assistindo a uma peça de Shakespeare, lá no fim do século XV ou comecinho do século XVI. Você só conhece o inglês do dia a dia. Nunca foi à escola, nunca teve um livro nas mãos e, de repente, você ouve frases com palavras que lhe soam totalmente estranhas, como se fossem estrangeiras. Qual seria sua reação? Bem, a sua eu não sei, mas o pessoal daquela época curtia muito os espetáculos.

Veja alguns exemplos. As palavras em negrito são ‘criações’ do Bardo. By the way, o site http://www.shakespeare-online.com/biography/wordsinvented.html contém uma bela lista de termos que Shakespeare popularizou.

 My birthplace hate I (Coriolanus)
Rest on my word, and let not discontent daunt all your hopes, madam (Titus Andronicus)

The posterior of the day, most generous sir, is liable, congruent and measurable for the afternoon. (Love’s Labour’s Lost)

The inaudible and noiseless foot of Time (All’s Well That       Ends Well)

Why, the hot-blooded France that dowerless took our youngest born (King Lear)

É por isso, entre outras razões, que às vezes, certas citações de Shakespeare são mal traduzidas:
Shakespeare's Globe




21. Why, then the world’s mine oyster, which I with sword will open. (Ora, então o mundo é minha ostra, e eu vou abri-la com minha espada.)
Por que então o mundo é minha ostra, se eu posso abri-la com minha espada?

22. Comparisons are odorous. (As comparações são odiosas.)
As comparações não me cheiram bem.

23.Neither a borrower nor a lender be. (Não peça nada emprestado, nem empreste nada a ninguém.)
Nunca faça um empréstimo sem um fiador.

24. The first thing we do, let’s kill all the lawyers. (A primeira coisa a fazer é matar todos os advogados.)
A primeira coisa que nós fizemos foi matar todos os advogados.

25. The miserable have no other medicine but only hope. (Os infelizes não contam com nada senão a esperança.)
A única esperança dos miseráveis é a medicina.

26. We few, we happy few, we band of brothers. (Sim, somos poucos, mas felizes, porque somos um bando de irmãos.)
Existem poucas bandas de irmãos tão felizes como nós.

27. - Fish live in the sea like men live on land: the great ones eat up the little ones. (Os peixes vivem no mar do mesmo jeito que os homens na terra: os grandes engolem os pequenos.)
Os peixes vivem no mar do mesmo jeito que os homens na terra: os poderosos comem os peixes grandes e os pobres os pequenos.

28. Farewell...pride, pomp, and circumstance! (Adeus...orgulho, pompa e circunstância!)
Adeus...A pompa é o orgulho da circunstância!

29. Men of few words are the best men. (Os homens de poucas palavras são os melhores.)
Não tenho palavras para definir os melhores homens.

30. Mine honour is my life; both grow in one. (Minha honra é minha vida. Elas formam uma coisa só.)
Uma coisa é a minha honra, outra coisa é a minha vida.

31. My salad days, when I was green in judgment. (Meus verdes anos, quando me faltava experiência)
Quando penso na minha dieta de salada, fico verde só de lembrar.

32. A horse! A horse! My kingdom for a horse! (Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!)
Cadê meu cavalo? Cadê meu cavalo? Não troco meu cavalo pelo meu reino!

33. How beauteous mankind is! O brave new world! (Que maravilha é a a espécie humana! Que belo mundo novo!)
Que beleza é a humanidade! Eta mundo bravo!

34. Bell, book, and candle shall not drive me back. (Nem sino, nem livro, nem vela hão de me deter.)
Eu não vou voltar para pegar o sino, o livro e a vela.)

35. Life is as tedious as a twice-told tale. (A vida é tão aborrecida como uma história contada duas vezes.)
Você já contou a história da sua vida duas vezes. Chega!

36. Lear: So young and so untender? (Rei Lear: Tão jovem e já tão cruel?)
Cordelia: So young, my lord, and true. (Cordélia: Tão jovem, meu pai, e tão sincera.)
Rei Lear: Tão moça e já tão antipática?
Cordélia: Sou moça, sim senhor, é verdade.

37. Cowards die many times before their deaths: the valiant never taste of death but once. (Os covardes morrem muitas vezes antes de morrer; os valentes só provam o gosto da morte uma vez.)
Os covardes morrem a toda hora; os valentes só uma vez ou outra.

38. Now is the winter of our discontent made glorious summer by this sun of York.  (O inverno da nossa desesperança agora foi transformado num glorioso verão por este sol de York)
Agora que o inverno pôs fim ao nosso descontentamento, o sol de York tornará este verão glorioso.

39. If music be the food of love, play on. (Se a música é o alimento do amor, toque mais.)
Se a música se alimenta do amor, continue tocando.

40. He that dies pays all debts. (Quem morre quita todos as dívidas.)
Pague suas dívidas antes de morrer.