Do you agree? |
Não sei exatamente quando a decoreba
passou a ser demonizada, mas em algum momento a memorização, o chamado rote
learning, virou sinônimo
de anacronismo.
Pode
ser, mas eu fico aqui pensando com meus botões:
-
eu aprendi o alfabeto, inclusive de trás para a frente, na base da decoreba;
- a tabuada, idem;
-
a lista das preposições, por pavor da professora, com o seu dedinho indicador
torto apontando para mim (a, ante, até, com, contra, consoante, de, desde,
durante, em, entre, para, per, perante, por, sem sob, sobre, trás). Como se vê,
minha lista é um pouco arcaica;
-
a quadra e a sepultura do meu pai, de tanto que minha mãe nos levava ao
cemitério (28-31). Não decorei os números da minha mãe ou de meus irmãos;
-
as declinações em latim (rosa, rosae, rosae, rosam, rosa, rosa. Não digo as
outras para não esnobar);
-
a lista de verbos irregulares em inglês (it goes without saying);
-
etc. (Aqui no etc. entram as capitais dos países, os afluentes da margem
esquerda do Amazonas, os ossos das mãos, o nome dos planetas do sistema solar
e, last but not least, uma infinidade
de piadas de papagaio, judeu, português e Joãozinho).
Is Calvin right? |
Não
é mais assim? Então como é que é? O educando (!) deve aprender a raciocinar e
não a decorar. É isso? Afinal, a internet está aí para informar praticamente
tudo que a gente quiser saber, ‘num piscar de dedos’, não é mesmo?
Certo.
Mas, para início de conversa, para acessar a internet, é preciso saber – de cor
– a senha. Para preencher um cadastro, a gente tem que ter na cabeça o RG, o
CPF, o endereço, o CEP, o telefone, o celular etc. etc.
E para rezar? Eu não entendo disso, mas imagino
que as pessoas rezem mecanicamente, seja em que língua for. Em ‘Cabelos
Compridos’, um conto de Monteiro Lobato, um padre termina sua prédica,
exortando a congregação a meditar “em cada
uma das palavras das vossas orações cotidianas, pois do contrário não terão
elas nenhum valor”.
Aquilo
causou uma profunda impressão na Das Dores – coitada, tão boazinha. À noite, já
deitada em seu quarto, começou a rezar o Padre Nosso. Permitam-me reproduzir a
oração da Das Dores:
– Padre nosso
que estás no céu; padre, padre; os padres, padre Pereira, padre
vigário... Padre Luís... coitado, já morreu e que morte feia – estuporado! ...
Padre...
Que idéia do seo
cônego mandar a gente pensar nas palavras!
Nem se pode rezar
direito...
– ...nosso: nosso
é o que é da gente; nossa casa; nossa vida; nosso pai... pra quem seria que foi
o Nosso-Pai ontem?
Para a nhá Veva não
é, que já melhorou.
Seria para o
major Lesbão? Coitado!
...e assim
continuou.
Bom homem aquele...
tão caridoso... Ó diabo!
Estou me
distraindo? “Nosso”, “nosso” ... Em certas palavras não se tem jeito de
pensar...
– ...que
estais no céu; estar no céu, que lindeza não será!
Os anjos voando as
estrelinhas, Nossa Senhora tão bonita com o menino no braço, os santos
passeando pra lá e pra cá...
O céu; céu da boca;
céu azul. Por que será que se diz céu da boca?
...
Se a gente for
pensar em cada palavra não dá pra rezar direito.
O cônego que me
perdoe, mas disse uma grande bobagem...
Monteiro Lobato, o criador da 'oração pensada' |
Minha opinião a respeito? Eu não sou
contra a decoreba, mas entendo que ela não deva ser um fim em si mesmo. Não
adianta nada saber de cor drink – drank –
drunk se eu não sei se devo dizer She
hasn’t drunk her tea ou She hasn’t
drank her tea. O rote learning
deve ser simplesmente o ponto de partida para o aprofundamento dos estudos.
A propósito, para quem quiser ir mais a fundo no assunto, eis aqui dois sites
interessantes:
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