terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Who's afraid of decoreba?

Do you agree?

Não sei exatamente quando a decoreba passou a ser demonizada, mas em algum momento a memorização, o chamado rote learning, virou sinônimo de anacronismo.

Pode ser, mas eu fico aqui pensando com meus botões:
- eu aprendi o alfabeto, inclusive de trás para a frente, na base da decoreba;
 - a tabuada, idem;
- a lista das preposições, por pavor da professora, com o seu dedinho indicador torto apontando para mim (a, ante, até, com, contra, consoante, de, desde, durante, em, entre, para, per, perante, por, sem sob, sobre, trás). Como se vê, minha lista é um pouco arcaica;

- a quadra e a sepultura do meu pai, de tanto que minha mãe nos levava ao cemitério (28-31). Não decorei os números da minha mãe ou de meus irmãos;

- as declinações em latim (rosa, rosae, rosae, rosam, rosa, rosa. Não digo as outras para não esnobar);

- a lista de verbos irregulares em inglês (it goes without saying);

- etc. (Aqui no etc. entram as capitais dos países, os afluentes da margem esquerda do Amazonas, os ossos das mãos, o nome dos planetas do sistema solar e, last but not least, uma infinidade de piadas de papagaio, judeu, português e Joãozinho).
                                              
Is Calvin right?

Não é mais assim? Então como é que é? O educando (!) deve aprender a raciocinar e não a decorar. É isso? Afinal, a internet está aí para informar praticamente tudo que a gente quiser saber, ‘num piscar de dedos’, não é mesmo?

Certo. Mas, para início de conversa, para acessar a internet, é preciso saber – de cor – a senha. Para preencher um cadastro, a gente tem que ter na cabeça o RG, o CPF, o endereço, o CEP, o telefone, o celular etc. etc.

E para rezar? Eu não entendo disso, mas imagino que as pessoas rezem mecanicamente, seja em que língua for. Em ‘Cabelos Compridos’, um conto de Monteiro Lobato, um padre termina sua prédica, exortando a congregação a meditar “em cada uma das palavras das vossas orações cotidianas, pois do contrário não terão elas nenhum valor”.

Aquilo causou uma profunda impressão na Das Dores – coitada, tão boazinha. À noite, já deitada em seu quarto, começou a rezar o Padre Nosso. Permitam-me reproduzir a oração da Das Dores:


– Padre nosso que estás no céu; padre, padre; os padres, padre Pereira, padre vigário... Padre Luís... coitado, já morreu e que morte feia – estuporado! ... Padre... 
Que idéia do seo cônego mandar a gente pensar nas palavras!
Nem se pode rezar direito...
– ...nosso: nosso é o que é da gente; nossa casa; nossa vida; nosso pai... pra quem seria que foi o Nosso-Pai ontem?

Para a nhá Veva não é, que já melhorou.
 Seria para o major Lesbão? Coitado!
...e assim continuou.
Bom homem aquele... tão caridoso... Ó diabo!
Estou me distraindo? “Nosso”, “nosso” ... Em certas palavras não se tem jeito de pensar...
– ...que estais no céu; estar no céu, que lindeza não será!
Os anjos voando as estrelinhas, Nossa Senhora tão bonita com o menino no braço, os santos passeando pra lá e pra cá...
O céu; céu da boca; céu azul. Por que será que se diz céu da boca?
...
Se a gente for pensar em cada palavra não dá pra rezar direito.
O cônego que me perdoe, mas disse uma grande bobagem...

                
Monteiro Lobato, o criador da 'oração pensada'
                     
Minha opinião a respeito? Eu não sou contra a decoreba, mas entendo que ela não deva ser um fim em si mesmo. Não adianta nada saber de cor drink – drank – drunk se eu não sei se devo dizer She hasn’t drunk her tea ou She hasn’t drank her tea. O rote learning deve ser simplesmente o ponto de partida para o aprofundamento dos estudos.

A propósito, para quem quiser ir mais a fundo no assunto, eis aqui dois sites interessantes:







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