quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Para evitar ser vítima de bullying



gordo, magro, alto, baixo, ruivo, negro, bonito, feio, gago ou gay; não tenha cabelo curto, longo ou encaracolado; não sofra de vitiligo, estrias ou espinhas; não seja geek ou nerd, ainda que você não saiba a diferença entre eles. Em uma palavra, seja igual a todo mundo, seja o mais ordinary possível, if you know what I mean.
Assim sendo, vou voltar a falar de bullying, mas de um outro ângulo: o bullying no mundo literário brasileiro, ou seja, que escritores ou personagens por eles criados foram vítimas desta covarde e tão disseminada prática.
Em primeiro lugar, os escritores.
Lygia Fagundes Telles, da Academia Brasileira de Letras, autora de Antes do baile verde, O jardim selvagem, As meninas, entre outros, foi criticada nos anos 40 por ser mulher, estudante de direito na São Francisco e escritora. Uma audácia, na época.

Carlos Heitor Cony tinha ‘língua presa’, ou anquiloglossia, para os íntimos. Os colegas pegavam no pé dele, pois havia palavras que ele simplesmente não conseguia pronunciar direito. Fogão, por exemplo, virava fodão. Os professores achavam que era de propósito.

Rubem Alves, teólogo e psicanalista, falecido no ano passado, foi alvo de muita gozação quando se mudou para o Rio de Janeiro. Nascido nos cafundós de Minas Gerais, tinha um sotaque caipira muito pronunciado. Por causa disso, vivia calado e isolado, não fazendo amizade com ninguém. Numa entrevista, ele explicou o bullying da seguinte maneira:  Nos galinheiros, todos estão numa boa… Mas se você traz um frango novo e põe no galinheiro ele se torna objeto da bicada dos outros até que se cansem. Aí, ele é assimilado ao grupo e deixa de ser diferente. Quando vier o próximo, todos vão bicar, inclusive aquele que foi bicado um dia. Não há sociologia que explique isso… (http://www.papodemae.com.br/2014/07/21/entrevista-com-rubem-alves/)


Agora os personagens:
“Uma noite dessas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimen - tou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso. [...] No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou.” (Dom Casmurro, de Machado de Assis)

“Várias vezes nessa tarde fui assaltado pela chacota impertinente do Barbalho. O endemoninhado caolho puxava-me a roupa, esbarrava-me encontrões e fugia com grandes risadas falsas, ou puxava-me de súbito em frente, e revestindo-se de quanta seriedade lhe era suscetível o açafrão da cara, perguntava: ‘Mudou as calças?’ Um inferno. (O Ateneu, de Raul Pompéia)  

Gritavam em cadência uniforme, batendo palmas. Eugênio sentiu os olhos encherem-se-lhe de lágrimas. Balbuciava palavras de fraco protesto, que se sumiam, devoradas pelo grande alarido.
Calça  furada-dá!
No fio-fó-fó-fó!
Óia as calças dele, vovó!”
Calça furada-dá!
(Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo)

 “Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo – o filho da caolha. Aquilo exasperava-o; respondia sempre. Os outros riam-se e chacoteavam-no; ele queixava-se aos mestres, os mestres ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los – mas a alcunha pegou, já não era só na escola que o chamavam assim.” (A Caolha, de Júlia Lopes de Almeida)






Um comentário:

  1. Simplesmente o melhor texto sobre o tema que já li ou ouvi. Todas as interrogações e dúvidas continuam, só que agora, organizadas. Meu querido amigo, se você não entendeu o que eu quis dizer, é exatamente assim que saía depois de uma discussão sobre o assunto. Será que posso divulgar no meu FB? Abraços

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