Para evitar ser vítima de bullying
O bullying é como
o terrorismo. Ou, para não usar uma comparação tão odiosa, como os pernilongos.
Não há como se livrar deles de uma vez por todas. Drones ou inseticidas não
funcionam contra a maldade inata do ser humano. Então, como combatê-lo? Não
faço a menor ideia. Mesmo tendo passado a maior parte da minha vida dentro de
escolas, não aprendi a lidar com isso. Até porque o bullying não se manifesta durante a aula, na presença do professor.
É no pátio, durante o intervalo, que a coisa pega. Ou na saída da escola. Mas
pode ser também na entrada.
De qualquer forma, aqui vai uma dica para safar-se do bullying:: não seja gordo, magro, alto, baixo, ruivo, negro, bonito, feio, gago
ou gay; não tenha cabelo curto, longo ou encaracolado; não sofra de vitiligo,
estrias ou espinhas; não seja geek ou
nerd, ainda que você não saiba a
diferença entre eles. Em uma palavra, seja igual a todo mundo, seja o mais ordinary possível, if you know what I mean.
Assim sendo,
vou voltar a falar de bullying, mas
de um outro ângulo: o bullying no
mundo literário brasileiro, ou seja, que escritores ou personagens por eles
criados foram vítimas desta covarde e tão disseminada prática.
Em primeiro
lugar, os escritores.
Lygia
Fagundes Telles, da Academia Brasileira de Letras, autora de Antes do baile verde, O jardim selvagem,
As meninas, entre outros, foi criticada nos
anos 40 por ser mulher, estudante de direito na São Francisco e escritora. Uma
audácia, na época.
Carlos Heitor Cony tinha ‘língua presa’, ou anquiloglossia, para os íntimos. Os colegas pegavam no
pé dele, pois havia palavras que ele simplesmente não conseguia pronunciar
direito. Fogão, por exemplo, virava fodão. Os professores achavam que era de
propósito.
Rubem Alves,
teólogo e psicanalista, falecido no ano passado, foi alvo de muita gozação
quando se mudou para o Rio de Janeiro. Nascido nos cafundós de Minas Gerais,
tinha um sotaque caipira muito pronunciado. Por causa disso, vivia calado e
isolado, não fazendo amizade com ninguém. Numa entrevista, ele explicou o
bullying da seguinte maneira: Nos
galinheiros, todos estão numa boa… Mas se você traz um frango novo e põe no
galinheiro ele se torna objeto da bicada dos outros até que se cansem. Aí, ele
é assimilado ao grupo e deixa de ser diferente. Quando vier o próximo, todos
vão bicar, inclusive aquele que foi bicado um dia. Não há sociologia que
explique isso… (http://www.papodemae.com.br/2014/07/21/entrevista-com-rubem-alves/)
Agora os personagens:
“Uma noite dessas, vindo da
cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do
bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimen - tou-me, sentou-se ao
pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem
era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu,
porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto
bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso. [...]
No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom
Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados,
deram curso à alcunha, que afinal pegou.” (Dom
Casmurro, de Machado de Assis)
“Várias vezes nessa tarde fui
assaltado pela chacota impertinente do Barbalho. O endemoninhado caolho
puxava-me a roupa, esbarrava-me encontrões e fugia com grandes risadas falsas,
ou puxava-me de súbito em frente, e revestindo-se de quanta seriedade lhe era
suscetível o açafrão da cara, perguntava: ‘Mudou as calças?’ Um inferno. (O Ateneu, de Raul Pompéia)
“Gritavam em cadência uniforme,
batendo palmas. Eugênio sentiu os olhos encherem-se-lhe de lágrimas. Balbuciava
palavras de fraco protesto, que se sumiam, devoradas pelo grande alarido.
Calça furada-dá!
No fio-fó-fó-fó!
Óia as calças dele, vovó!”
Calça furada-dá!”
No fio-fó-fó-fó!
Óia as calças dele, vovó!”
Calça furada-dá!”
(Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo)
“Quando em criança entrou para a escola
pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe,
a chamá-lo – o filho da caolha. Aquilo exasperava-o; respondia sempre. Os
outros riam-se e chacoteavam-no; ele queixava-se aos mestres, os mestres
ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los – mas a alcunha pegou,
já não era só na escola que o chamavam assim.” (A Caolha, de Júlia Lopes de Almeida)
Simplesmente o melhor texto sobre o tema que já li ou ouvi. Todas as interrogações e dúvidas continuam, só que agora, organizadas. Meu querido amigo, se você não entendeu o que eu quis dizer, é exatamente assim que saía depois de uma discussão sobre o assunto. Será que posso divulgar no meu FB? Abraços
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