Todo
mundo sabe o que é bullying: um tipo
de atitude muito comum em escolas, que inclui ameças, fofocas, apelidos,
provocações, podendo chegar a espancamentos e outras formas de constrangimento
físico. O constrangimento maior, no entanto, se dá quando o bully, isto é, o cafajeste que ofende,
ameaça ou humilha alguém mais fraco do que ele se utiliza da internet para
divulgar mensagens de texto, emails, vídeos ou perfis falsos.
Algumas
décadas atrás, os alunos que se formavam no Porto Seguro davam uma festa de
despedida no Gallery, uma boate muito famosa nos anos 80 em São Paulo. Todos os
professores eram convidados, mas eu, por timidez, por não saber dançar e por
não ter smoking (ou por tudo isso
junto), nunca ia. Até que um dia eu resolvi ir. Mas no último dia de aula para
os ‘formandos’, uma semana antes da festa, eu presenciei uma cena que me fez
mudar de ideia. Uns grandalhões do 3º colegial agarraram um garoto do 1º ano e
o jogaram por sobre uma mureta. Uma queda de, no máximo dois metros. O menino
não se machucou, porque aterrissou sobre um gramado, mas, assustado, todo
marcado de vermelho nos braços, foi se queixar na Diretoria. Mais tarde eu
entrei para dar aula na classe do garoto. Ele ainda aparentava estar mais ou
menos em estado de choque. Aí eu pensei: não vou ter estômago para abraçar e
cumprimentar aqueles rapazes na festa. E não fui. Nem naquele ano, nem nunca.
Pois é. E
o que Shakespeare tem a ver com isso? Bem, a obra do Bardo está recheada de bullies: Graciano, tirando sarro de
Shylock em O Mercador de Veneza,
Demetrius e Chiron, dois irmãos ‘pra lá de mau-caráter’, que estupram e
espancam Lavínia no meio do mato em Titus
Andronicus, as gananciosas irmãs Goneril e Regan, que não se cansam de
humilhar seu velho pai, o Rei Lear, o Príncipe Hal, filho de Henrique IV, que
faz de palhaço um pobre empregado de um pub,
só porque ele é um nobre e o serviçal é um pé-rapado. e, last but not least, Petrúquio, em A Megera Domada, que se dispõe a ‘domesticar’ Catarina,
atormentando-a com as mais estapafúrdias ordens.
De Macbeth eu já tratei: o bullying se dá em dois níveis, ou seja, num
plano mais explícito as bruxas, que ardilosamente ludibriam Macbeth, e num
plano menos óbvio, sua esposa, que o manipula a seu bel prazer.
Como já
falei de Macbeth alguns blogs atrás, agora é a vez de A Tempestade, que também este há pouco em cartaz em São Paulo.
Próspero, Duque de Milão, é injustamente banido para uma ilha remota, em
companhia de sua filha Miranda. Ao longo de toda a peça, Próspero usa seus
conhecimentos de mágica para atormentar seus servos, manipular seus inimigos e
arquitetar o casamento de sua filha com o Príncipe de Nápoles.
Como se
pode ver, o bullying já era praticado
há mais de quatro séculos. E, curiosamente, até hoje, não há um termo equivalente
na nossa língua para essa palavra tão
antiga. Então, vai de bullying,
mesmo.
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