terça-feira, 16 de setembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA
Resolvi contar algumas coisas que me aconteceram na escola, como aluno ou como professor.

DE COMO VIREI DESTRO
Eu sou canhoto. Digo isso sem orgulho, mas também sem vergonha. Nasci canhoto, como outros nascem loiros ou bonitos. Eu não. Nasci mais ou menos moreno, mais feio que bonito e canhoto. Não é uma escolha. Da mesma forma que a gente também não escolhe o time pelo qual vai torcer e sofrer a vida toda. O time nos é imposto pelo pai, pelo irmão mais velho ou por algum amiguinho de infância. No meu caso, pela família do Tominha. O Tominha morava uma ou duas casas depois da minha. Costumávamos brincar no fundo da minha casa, num gramadinho mirrado onde uma goiabeira baixinha dava umas goiabas pequenas e duras, que a gente comia mesmo assim. Um dia, para ser exato, 6 de setembro de 1953 – viva Santa Internet! - o pai, o tio e o irmão mais velho do Tominha me levaram para assistir a um jogo do Palmeiras no Parque Antártica. Palmeiras e XV de Piracicaba. Vi, grudado no alambrado, passar por mim no intervalo Jair Rosa Pinto com suas entradas pronunciadas, Rodrigues e seu gorrinho, Oberdan e o seu bigode e sei lá mais quem. Sou palmeirense desde então. Isso eu também digo sem orgulho, mas também sem vergonha. Sem muita vergonha, atualmente.
Décadas mais tarde, quando dava aula no Colégio Porto Seguro, estava corrigindo um maço de provas aplicadas a alunos que vinham de outras escolas. Era um teste de inglês para dividir os alunos novos em turmas mais ou menos homogêneas quanto ao nível de conhecimento da língua. Aí eu reparei num sobrenome que me pareceu familiar. Fui até a Secretaria do Colégio e pedi para ver a ficha do garoto. Nome do pai: Tomás.
Mandei chamar o menino. Ele entrou meio pálido, desconfiado.
- Você sabe quem eu sou? – perguntei, sério.
- Não, - ele respondeu, assustado.
- Eu sou, - eu disse, fazendo uma pausa para soar bem solene - o amigo mais antigo do seu pai. Seu pai não teve nenhum amiguinho antes de mim. Quando você chegar em casa hoje, diga a ele que você conheceu o Nenê, filho da Dona Fryda.
No dia seguinte, apareceu no Escola uma figura meio rechonchuda, um senhor grisalho e bonachão.
- Nenê! – ele gritou de longe.
- Tominha! – eu respondi.
Caímos nos braços um do outro – cinquenta anos sem a gente se ver! Reatamos a velha amizade e hoje trocamos emails e saímos de vez em quando para almoçar.
E daí? E daí que nesse mesmo ano, quando eu tinha seis anos, minha mãe me matriculou numa escolinha particular chamada Ordem e Progresso. Lembro-me que havia na entrada uma árvore alta, da qual caíam umas frutinhas amarelas, doces, que a gente catava do chão e chupava.
Um dia eu fui mostrar ao meu pai que eu já sabia escrever meu nome. Peguei o lápis com a mão esquerda e...tomei um tapão na mão. O lápis caiu no chão e quebrou a ponta. Levei um susto tão grande e antes que começasse a chorar veio a ordem.
- Segura com a outra mão! – ele disse.

Não precisei de uma segunda ordem. Naquele tempo pai era fogo. Passei a escrever com a mão direita. Mas o cérebro, esse rebelde, continua canhoto. Por isso, hoje eu sou um cara meio dividido. Tudo o que me ensinaram a fazer, eu faço “direito”, isto é, com a mão ‘certa’. Eu escrevo com a direita, jogo bilhar com a direita e tocaria violão com a direita se tivesse continuado com as aulas. Agora, o que não me foi ensinado, tipo chutar bola, jogar pingue-pongue, segurar a colher, fazer pipi, ah! isso eu faço com a esquerda.

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