TEMPOS DE ESCOLA
Resolvi contar algumas
coisas que me aconteceram na escola, como aluno ou como professor.
DE COMO VIREI DESTRO
Eu sou canhoto. Digo isso
sem orgulho, mas também sem vergonha. Nasci canhoto, como outros nascem loiros
ou bonitos. Eu não. Nasci mais ou menos moreno, mais feio que bonito e canhoto.
Não é uma escolha. Da mesma forma que a gente também não escolhe o time pelo
qual vai torcer e sofrer a vida toda. O time nos é imposto pelo pai, pelo irmão
mais velho ou por algum amiguinho de infância. No meu caso, pela família do
Tominha. O Tominha morava uma ou duas casas depois da minha. Costumávamos
brincar no fundo da minha casa, num gramadinho mirrado onde uma goiabeira
baixinha dava umas goiabas pequenas e duras, que a gente comia mesmo assim. Um
dia, para ser exato, 6 de setembro de 1953 – viva Santa Internet! - o pai, o
tio e o irmão mais velho do Tominha me levaram para assistir a um jogo do
Palmeiras no Parque Antártica. Palmeiras e XV de Piracicaba. Vi, grudado no
alambrado, passar por mim no intervalo Jair Rosa Pinto com suas entradas
pronunciadas, Rodrigues e seu gorrinho, Oberdan e o seu bigode e sei lá mais quem.
Sou palmeirense desde então. Isso eu também digo sem orgulho, mas também sem
vergonha. Sem muita vergonha, atualmente.
Décadas mais tarde, quando
dava aula no Colégio Porto Seguro, estava corrigindo um maço de provas
aplicadas a alunos que vinham de outras escolas. Era um teste de inglês para
dividir os alunos novos em turmas mais ou menos homogêneas quanto ao nível de
conhecimento da língua. Aí eu reparei num sobrenome que me pareceu familiar.
Fui até a Secretaria do Colégio e pedi para ver a ficha do garoto. Nome do pai:
Tomás.
Mandei chamar o menino. Ele
entrou meio pálido, desconfiado.
- Você sabe quem eu sou? – perguntei,
sério.
- Não, - ele respondeu,
assustado.
- Eu sou, - eu disse,
fazendo uma pausa para soar bem solene - o amigo mais antigo do seu pai. Seu
pai não teve nenhum amiguinho antes de mim. Quando você chegar em casa hoje,
diga a ele que você conheceu o Nenê, filho da Dona Fryda.
No dia seguinte, apareceu no
Escola uma figura meio rechonchuda, um senhor grisalho e bonachão.
- Nenê! – ele gritou de
longe.
- Tominha! – eu respondi.
Caímos nos braços um do
outro – cinquenta anos sem a gente se ver! Reatamos a velha amizade e hoje
trocamos emails e saímos de vez em quando para almoçar.
E daí? E daí que nesse mesmo
ano, quando eu tinha seis anos, minha mãe me matriculou numa escolinha
particular chamada Ordem e Progresso. Lembro-me que havia na entrada uma árvore
alta, da qual caíam umas frutinhas amarelas, doces, que a gente catava do chão
e chupava.
Um dia eu fui mostrar ao meu
pai que eu já sabia escrever meu nome. Peguei o lápis com a mão esquerda
e...tomei um tapão na mão. O lápis caiu no chão e quebrou a ponta. Levei um
susto tão grande e antes que começasse a chorar veio a ordem.
- Segura com a outra mão! – ele
disse.
Não precisei de uma segunda
ordem. Naquele tempo pai era fogo. Passei a escrever com a mão direita. Mas o
cérebro, esse rebelde, continua canhoto. Por isso, hoje eu sou um cara meio
dividido. Tudo o que me ensinaram a fazer, eu faço “direito”, isto é, com a mão
‘certa’. Eu escrevo com a direita, jogo bilhar com a direita e tocaria violão
com a direita se tivesse continuado com as aulas. Agora, o que não me foi
ensinado, tipo chutar bola, jogar pingue-pongue, segurar a colher, fazer pipi,
ah! isso eu faço com a esquerda.
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