TEMPOS DE ESCOLA
DE COMO EU NÃO
VIREI PROFESSOR DE MATEMÁTICA
- Sabe a Tânia?
- Que Tânia?
- A filha da
frangueira.
- Sei. Quique tem
ela?
- Tá precisando de
aula de matemática.
- Eu não sei
matemática.
Este diálogo
aconteceu quando eu tinha 15 anos. Minha irmã, que dava aula particulares de
inglês, português e taquigrafia, uma vez que ela era, de profissão, secretária
bilíngue, queria me empurrar a Tânia, filha da frangueira. A frangueira era uma
mulher que tinha um galinheiro no fundo da casa e vendia ovos e frangos para os
vizinhos. Minha mãe era freguesa. Até hoje eu não gosto de frango, graças a uma
receita única da minha mãe: pega-se uma frango vivo, torce-se o pescoço do
infeliz, ferve-se o bicho e retiram-se as penas, procurando não vomitar com o
cheiro. Essa é a primeira parte do prato.
Em seguida,
esquarteja-se o cadáver em várias partes, joga-se tudo dentro de uma panela com
água fervente, adicionam-se batatas e tempero a gosto, et voilà! está pronto um
franguinho intragável.
Mas eu divirjo.
- A Tânia usa o
mesmo livro que você usou, aquele do Osvaldo Sangiorgi. Você conhece toda a
matéria.
Cabe ressaltar que
eu na época estava cursando o clássico. Antigamente, quando a gente terminava a
4ª série do ginásio, isto é, a 8ª série do Ensino Fundamental de hoje, havia
apenas duas opções: científico, para quem pretendia ser médico ou engenheiro,
ou clássico, para quem queria ser advogado. E só. O mundo era bem mais simples.
Eu queria ser
advogado. Não havia matemática no clássico. Até hoje eu mal sei a tabuada.
Quase repeti de ano na 2ª série por causa do maldito teorema de Pitágoras.
O fato é que, de
tanto insistir, eu concordei em ensinar matemática para a Tânia.
Duas vezes por
semana, ela vinha até a minha casa, me entregava o dinheiro da aula, que eu
enfiava no bolso sem contar – de vergonha – e lá ia eu tentando enfiar algumas
fórmulas na cabeça da menina.
O livro continha
uma grande número de exercícios, vários dos quais eu toda aula pedia que ela
fizesse em casa. As respostas estavam no final do livro.
Um dia, ela
chegou, me pagou e disse que não tinha conseguido resolver os 5 exercícios que
eu lhe passara como lição de casa. O resultado não batia, ela explicou.
- Qual exercício?
perguntei eu. Este aqui? Este aqui é assim: você pega esse número aqui,
multiplica, divide, faz isso e faz aquilo e o resultado é este aqui.
Só que a resposta
não coincidia com a resposta do fim do livro.
- Péra aí, vou
fazer de novo.
Soma, multiplica,
tira a raiz quadrada e tal, e pimba! A resposta não bateu de novo.
- Deve ser erro de
impressão do livro. Acontece. Deixa eu fazer o próximo.
Mais uma vez eu
não acertei o resultado. Tentei, tentei, tentei e não consegui fazer nenhum
exercício.
Nisso, a ‘aula’
terminou. Eu havia passado sessenta minutos tentando resolver os exercícios da
lição de casa.
Levantei-me da
cadeira e, com toda a dignidade possível, enfiei a mão no bolso e devolvi o
dinheiro à garota.
Foi a última vez
que eu vi a Tânia.
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