terça-feira, 23 de setembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA 
DE COMO EU NÃO VIREI PROFESSOR DE MATEMÁTICA
- Sabe a Tânia?
- Que Tânia?
- A filha da frangueira.
- Sei. Quique tem ela?
- Tá precisando de aula de matemática.
- Eu não sei matemática.
Este diálogo aconteceu quando eu tinha 15 anos. Minha irmã, que dava aula particulares de inglês, português e taquigrafia, uma vez que ela era, de profissão, secretária bilíngue, queria me empurrar a Tânia, filha da frangueira. A frangueira era uma mulher que tinha um galinheiro no fundo da casa e vendia ovos e frangos para os vizinhos. Minha mãe era freguesa. Até hoje eu não gosto de frango, graças a uma receita única da minha mãe: pega-se uma frango vivo, torce-se o pescoço do infeliz, ferve-se o bicho e retiram-se as penas, procurando não vomitar com o cheiro. Essa é a primeira parte do prato.
Em seguida, esquarteja-se o cadáver em várias partes, joga-se tudo dentro de uma panela com água fervente, adicionam-se batatas e tempero a gosto, et voilà! está pronto um franguinho intragável.
Mas eu divirjo.
- A Tânia usa o mesmo livro que você usou, aquele do Osvaldo Sangiorgi. Você conhece toda a matéria.
Cabe ressaltar que eu na época estava cursando o clássico. Antigamente, quando a gente terminava a 4ª série do ginásio, isto é, a 8ª série do Ensino Fundamental de hoje, havia apenas duas opções: científico, para quem pretendia ser médico ou engenheiro, ou clássico, para quem queria ser advogado. E só. O mundo era bem mais simples.
Eu queria ser advogado. Não havia matemática no clássico. Até hoje eu mal sei a tabuada. Quase repeti de ano na 2ª série por causa do maldito teorema de Pitágoras.
O fato é que, de tanto insistir, eu concordei em ensinar matemática para a Tânia.
Duas vezes por semana, ela vinha até a minha casa, me entregava o dinheiro da aula, que eu enfiava no bolso sem contar – de vergonha – e lá ia eu tentando enfiar algumas fórmulas na cabeça da menina.
O livro continha uma grande número de exercícios, vários dos quais eu toda aula pedia que ela fizesse em casa. As respostas estavam no final do livro.
Um dia, ela chegou, me pagou e disse que não tinha conseguido resolver os 5 exercícios que eu lhe passara como lição de casa. O resultado não batia, ela explicou.
- Qual exercício? perguntei eu. Este aqui? Este aqui é assim: você pega esse número aqui, multiplica, divide, faz isso e faz aquilo e o resultado é este aqui.
Só que a resposta não coincidia com a resposta do fim do livro.
- Péra aí, vou fazer de novo.
Soma, multiplica, tira a raiz quadrada e tal, e pimba! A resposta não bateu de novo.
- Deve ser erro de impressão do livro. Acontece. Deixa eu fazer o próximo.
Mais uma vez eu não acertei o resultado. Tentei, tentei, tentei e não consegui fazer nenhum exercício.
Nisso, a ‘aula’ terminou. Eu havia passado sessenta minutos tentando resolver os exercícios da lição de casa.
Levantei-me da cadeira e, com toda a dignidade possível, enfiei a mão no bolso e devolvi o dinheiro à garota.

Foi a última vez que eu vi a Tânia.

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