CONTA OUTRA, VÓ
Introdução
-
Vó, conta uma história.
E lá vai a avó com a Branca
de Neve, o Chapeuzinho Vermelho, a Gata Borralheira e sei lá mais o quê. São
ótimas essas histórias, são clássicas. Mas elas contêm uma contradição
insolúvel: foram escritas por adultos, que não se lembram direito – e nem podem
se lembrar – de como era ser criança. Sim, os autores são capazes de recordar
as brincadeiras, os bons e maus momentos que viveram, mas não conseguem reviver
com autenticidade suas verdadeiras emoções e sensações. Veja, por exemplo, o
que Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre a passagem do Cometa Halley em
1910:
“Aos sete anos de idade imaginei que ia
presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa
mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a
Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem
obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não
haveria mais geleia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista
preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Ideias que aborreciam. Havia ainda
a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o
menino, era o mundo) se despedaçando – mas isso, afinal, seria um espetáculo.
Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.”
Por mais fiel à sua memória
que ele tenha sido, este belo texto não é. obviamente, obra de uma criança. É,
sim, o produto acabado de uma cabeça adulta, encharcada de saudade e temperada
pelas experiências da vida.
E Monteiro Lobato? A boneca
Emília, a Dona Benta e seus netos Narizinho e Pedrinho, a empregada Tia
Nastácia e o boneco de sabugo de milho Visconde de Sabugosa não nasceram no
sítio em que ele foi criado de 1882 a 1889. Vieram à luz muitos anos mais
tarde, quando Lobato já se firmara como um escritor de respeito.
Por tudo isso, tive a ideia de produzir um
livro de histórias que só começam e não terminam. O que acontece depois da
introdução vai depender da imaginação da “avó”, mas sobretudo do interesse da
criança que pediu para a avó contar uma história. Na verdade, a continuação da
história pode muito bem ser uma construção de ambos.
Como é a cabeça de uma criança? Difícil
dizer. Às vezes, parece que falta lógica às suas ideias; às vezes, sua lógica é
desconcertantemente simples. Daí a razão pela qual o início de todas as
histórias subverte a realidade conhecida, como se a criança já estivesse
cansada dessa realidade sem graça e se sentisse desafiada a criar uma outra
realidade, mais interessante e tão real à sua criatividade quanto aquela que se
impõe aos seus olhos.
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