sexta-feira, 12 de setembro de 2014

CONTA OUTRA, VÓ


Introdução

- Vó, conta uma história.
E lá vai a avó com a Branca de Neve, o Chapeuzinho Vermelho, a Gata Borralheira e sei lá mais o quê. São ótimas essas histórias, são clássicas. Mas elas contêm uma contradição insolúvel: foram escritas por adultos, que não se lembram direito – e nem podem se lembrar – de como era ser criança. Sim, os autores são capazes de recordar as brincadeiras, os bons e maus momentos que viveram, mas não conseguem reviver com autenticidade suas verdadeiras emoções e sensações. Veja, por exemplo, o que Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre a passagem do Cometa Halley em 1910:
“Aos sete anos de idade imaginei que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria mais geleia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Ideias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando – mas isso, afinal, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.”
Por mais fiel à sua memória que ele tenha sido, este belo texto não é. obviamente, obra de uma criança. É, sim, o produto acabado de uma cabeça adulta, encharcada de saudade e temperada pelas experiências da vida. 
E Monteiro Lobato? A boneca Emília, a Dona Benta e seus netos Narizinho e Pedrinho, a empregada Tia Nastácia e o boneco de sabugo de milho Visconde de Sabugosa não nasceram no sítio em que ele foi criado de 1882 a 1889. Vieram à luz muitos anos mais tarde, quando Lobato já se firmara como um escritor de respeito.
Por tudo isso, tive a ideia de produzir um livro de histórias que só começam e não terminam. O que acontece depois da introdução vai depender da imaginação da “avó”, mas sobretudo do interesse da criança que pediu para a avó contar uma história. Na verdade, a continuação da história pode muito bem ser uma construção de ambos.

Como é a cabeça de uma criança? Difícil dizer. Às vezes, parece que falta lógica às suas ideias; às vezes, sua lógica é desconcertantemente simples. Daí a razão pela qual o início de todas as histórias subverte a realidade conhecida, como se a criança já estivesse cansada dessa realidade sem graça e se sentisse desafiada a criar uma outra realidade, mais interessante e tão real à sua criatividade quanto aquela que se impõe aos seus olhos.  

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