DE COMO QUEBREI O
BRAÇO
Nunca soube jogar
bola. Aliás, ninguém na minha família. Minha irmã, doze anos mais velha, nunca
sequer pronunciou a palavra bola. Ela não tinha a menor familiaridade com a
redonda, fosse ela uma bolinha de pingue-pongue, ou uma bolona de praia, dessas
com que as crianças brincam. Minha irmã não fazia ideia do que acontecia no
mundo do futebol. Num dia de jogo do Brasil com a Argentina pela Copa do Mundo
de 1990, ela me telefonou para ‘bater um papinho’. Aos berros, eu lhe disse que
ligaria depois. O Brasil perdeu e eu não liguei.
Já meu irmão, oito
anos mais velho, esse jogou bola. Mas também não era do ramo. Havia perto de
casa dois terrenos baldios, o campinho e o terrenão. No campinho existe hoje um
prédio marrom, que a gente chamava de prédio do Iapa, não sei por quê. No terrenão
construíram mais tarde um conjunto de sobrados. As peladas eram realizadas ora
num ‘estádio’, ora noutro.
Meu irmão,
perna-de-pau, era sempre escalado para o gol. Um dia aconteceu um milagre: meu
irmão pegou todas. O time ganhou de 2 X 0 e ele foi elogiadíssimo.
No sábado
seguinte, o mundo voltou ao normal. Meu irmão tomou um gol pelo meio das
pernas, um outro em que o beque (antigamente o lateral se chamava beque, do
inglês back) atrasou a bola, meu
irmão foi dar um chutão, a bola resvalou na canela e sobrou para o atacante e
mais um, na cobrança de um escanteio. O Pereira, careca, baixinho, pulou junto
com ele cabeceou para dentro do gol. Esse Pereira gostava de cantar. Uma de
suas músicas preferidas era o grande sucesso de Isaurinha Garcia, “Mensagem”.
Dizia assim:
Quando o carteiro chegou
E meu nome gritou
(O Pereira
acrescentava: Careca!)
Com uma carta na mão
Ante surpresa tão rude
Não sei como pude
Chegar ao portão.
A falta de
habilidade com a bola deve ser genética porque eu também jogava mal pra caramba.
Pior que isso: eu era violento. Não por querer, mas por jogar na defesa, ao
tentar tirar a bola do adversário, eu acabava dando caneladas pra todo lado. Eu
sei que é tarde para pedir desculpas, mas, pessoal, não me levem a mal, foi sem
querer.
Bom, uma manhã
cinzenta na quadra de cimento do grupo escolar, numa ‘aula de educação física’,
eu fui para o gol. E nesse dia eu estava com a macaca. Peguei tudo, até um
pênalti, que o Douglas, apelido Caveira, bateu. Ele estava na minha classe, mas
era uns dois ou três anos mais velho. Quando você tem dez ou onze anos, isso
faz uma bruta diferença. O Caveira chutou forte. Eu pulei para o lado certo e
espalmei para escanteio. Ao saltar, além de me esfolar todo no cimento, bati
com o braço esquerdo na trave. Saí de campo sob o olhar incrédulo do Caveira.
Fui para casa. O
braço inchou. Parece que o rádio (ou a ulna, sei lá) se partiu e um pedaço
encavalou no outro. Ficou assim um calombo.
Não lembro mais
por quê, mas, seja por medo do meu pai ou de vergonha do meu irmão, eu não
contei nada. Usei por uns três ou quatro dias camisas de manga comprida. Até
que não conseguia mais pegar a colher para tomar sopa. Minha mãe fazia sopa
todo dia, almoço e janta.
Ela me levou para
o Hospital das Clínicas. Saí com o braço engessado mas com o orgulho do dever
cumprido. Meu time venceu aquele jogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário