sexta-feira, 19 de setembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA
DE COMO QUEBREI O BRAÇO
Nunca soube jogar bola. Aliás, ninguém na minha família. Minha irmã, doze anos mais velha, nunca sequer pronunciou a palavra bola. Ela não tinha a menor familiaridade com a redonda, fosse ela uma bolinha de pingue-pongue, ou uma bolona de praia, dessas com que as crianças brincam. Minha irmã não fazia ideia do que acontecia no mundo do futebol. Num dia de jogo do Brasil com a Argentina pela Copa do Mundo de 1990, ela me telefonou para ‘bater um papinho’. Aos berros, eu lhe disse que ligaria depois. O Brasil perdeu e eu não liguei.
Já meu irmão, oito anos mais velho, esse jogou bola. Mas também não era do ramo. Havia perto de casa dois terrenos baldios, o campinho e o terrenão. No campinho existe hoje um prédio marrom, que a gente chamava de prédio do Iapa, não sei por quê. No terrenão construíram mais tarde um conjunto de sobrados. As peladas eram realizadas ora num ‘estádio’, ora noutro.
Meu irmão, perna-de-pau, era sempre escalado para o gol. Um dia aconteceu um milagre: meu irmão pegou todas. O time ganhou de 2 X 0 e ele foi elogiadíssimo.
No sábado seguinte, o mundo voltou ao normal. Meu irmão tomou um gol pelo meio das pernas, um outro em que o beque (antigamente o lateral se chamava beque, do inglês back) atrasou a bola, meu irmão foi dar um chutão, a bola resvalou na canela e sobrou para o atacante e mais um, na cobrança de um escanteio. O Pereira, careca, baixinho, pulou junto com ele cabeceou para dentro do gol. Esse Pereira gostava de cantar. Uma de suas músicas preferidas era o grande sucesso de Isaurinha Garcia, “Mensagem”. Dizia assim:
Quando o carteiro chegou
E meu nome gritou
(O Pereira acrescentava: Careca!)
Com uma carta na mão
Ante surpresa tão rude
Não sei como pude
Chegar ao portão.
A falta de habilidade com a bola deve ser genética porque eu também jogava mal pra caramba. Pior que isso: eu era violento. Não por querer, mas por jogar na defesa, ao tentar tirar a bola do adversário, eu acabava dando caneladas pra todo lado. Eu sei que é tarde para pedir desculpas, mas, pessoal, não me levem a mal, foi sem querer.
Bom, uma manhã cinzenta na quadra de cimento do grupo escolar, numa ‘aula de educação física’, eu fui para o gol. E nesse dia eu estava com a macaca. Peguei tudo, até um pênalti, que o Douglas, apelido Caveira, bateu. Ele estava na minha classe, mas era uns dois ou três anos mais velho. Quando você tem dez ou onze anos, isso faz uma bruta diferença. O Caveira chutou forte. Eu pulei para o lado certo e espalmei para escanteio. Ao saltar, além de me esfolar todo no cimento, bati com o braço esquerdo na trave. Saí de campo sob o olhar incrédulo do Caveira.
Fui para casa. O braço inchou. Parece que o rádio (ou a ulna, sei lá) se partiu e um pedaço encavalou no outro. Ficou assim um calombo.
Não lembro mais por quê, mas, seja por medo do meu pai ou de vergonha do meu irmão, eu não contei nada. Usei por uns três ou quatro dias camisas de manga comprida. Até que não conseguia mais pegar a colher para tomar sopa. Minha mãe fazia sopa todo dia, almoço e janta.

Ela me levou para o Hospital das Clínicas. Saí com o braço engessado mas com o orgulho do dever cumprido. Meu time venceu aquele jogo.

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