DE COMO ENCAREI
MEU TERCEIRO ALUNO
Um dia meu irmão,
oito anos mais velho que eu, viu um anúncio no jornal. Algo mais ou menos
assim: “Precisa-se de universitário para acompanhar os estudos de um aluno de
3ª série.”
- Por que você não
telefona para eles? perguntou meu irmão.
- Porque eu não
sou universitário, respondi.
Eu tinha 16 anos e
estava no 2º ano do clássico.
- Mas acho que você dá conta.
Ele então ligou
para o número que aparecia no anúncio e conversou com a mãe do menino, fazendo
de conta que era eu que estava falando.
No dia seguinte,
peguei o ônibus Pinheiros-Anhangabaú e desci na Praça Nações Unidas. O menino
morava perto ali. Às duas da tarde em ponto, toquei a campainha e entrei na casa
mais bonita que eu já tinha visto na vida. A sala era enorme, coberta de
tapetes persas. Garrafas de cristal sobre um aparador. Quadros grandes nas
paredes. Uma lareira!
Fui apresentado ao
menino. Devia ter uns 13 ou 14 anos, era forte, mais ou menos do meu tamanho.
Não me lembro do seu nome.
Três vezes por
semana, eu passava mais ou menos umas duas horas com ele, corrigindo as tarefas
de casa, explicando os assuntos vistos em aula, aplicando alguns exercícios
extras que eu preparava em casa etc. De que matérias? De todas: história,
geografia, português, inglês, francês, matemática...
Matemática?
Desculpe, matemática, não. Tudo menos matemática.
Esqueci o nome
dele, mas três coisas me ficaram na memória.
A primeira: ele
tinha um polegar esquisito. Nascia pelo no lugar da impressão digital. Ao
soltar um rojão anos antes, o caramuru explodiu na mão dele e foi preciso fazer
um enxerto. Tiraram um pedaço de pele da barriga e puseram no lugar do dedo
esfrangalhado. Ficou com cara de remendo de calça de festa caipira. “Com o
tempo o pelo cai”, ele explicou.
A segunda: ele
ganhou do pai uma Enciclopédia Britânica, edição de luxo, capa branca, que ele
provavelmente não ia usar porque era fraco de inglês. Eu fiquei inconformado,
remoendo minha inveja com pensamentos do tipo ‘pérola para os porcos’. Anos
depois, já na Faculdade, acabei comprando uma Britânica também. Igualzinha,
capa branca e tudo. E sabem de quem? Do tio da Consuelo Leandro, aquela atriz
que fazia a Cremilda, a ricaça esnobe da Praça da Alegria, cujo bordão era ‘meu
marido Oscar’.
A terceira: ele
passou em todas as matérias, mas ficou de 2ª época em matemática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário