terça-feira, 30 de setembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA (CONT.)

DE COMO ENCAREI MEU TERCEIRO ALUNO
Um dia meu irmão, oito anos mais velho que eu, viu um anúncio no jornal. Algo mais ou menos assim: “Precisa-se de universitário para acompanhar os estudos de um aluno de 3ª série.”
- Por que você não telefona para eles?  perguntou meu irmão.
- Porque eu não sou universitário, respondi.
Eu tinha 16 anos e estava no 2º ano do clássico.
-  Mas acho que você dá conta.
Ele então ligou para o número que aparecia no anúncio e conversou com a mãe do menino, fazendo de conta que era eu que estava falando.
No dia seguinte, peguei o ônibus Pinheiros-Anhangabaú e desci na Praça Nações Unidas. O menino morava perto ali. Às duas da tarde em ponto, toquei a campainha e entrei na casa mais bonita que eu já tinha visto na vida. A sala era enorme, coberta de tapetes persas. Garrafas de cristal sobre um aparador. Quadros grandes nas paredes. Uma lareira!
Fui apresentado ao menino. Devia ter uns 13 ou 14 anos, era forte, mais ou menos do meu tamanho. Não me lembro do seu nome.
Três vezes por semana, eu passava mais ou menos umas duas horas com ele, corrigindo as tarefas de casa, explicando os assuntos vistos em aula, aplicando alguns exercícios extras que eu preparava em casa etc. De que matérias? De todas: história, geografia, português, inglês, francês, matemática...
Matemática? Desculpe, matemática, não. Tudo menos matemática.
Esqueci o nome dele, mas três coisas me ficaram na memória.
A primeira: ele tinha um polegar esquisito. Nascia pelo no lugar da impressão digital. Ao soltar um rojão anos antes, o caramuru explodiu na mão dele e foi preciso fazer um enxerto. Tiraram um pedaço de pele da barriga e puseram no lugar do dedo esfrangalhado. Ficou com cara de remendo de calça de festa caipira. “Com o tempo o pelo cai”, ele explicou.
A segunda: ele ganhou do pai uma Enciclopédia Britânica, edição de luxo, capa branca, que ele provavelmente não ia usar porque era fraco de inglês. Eu fiquei inconformado, remoendo minha inveja com pensamentos do tipo ‘pérola para os porcos’. Anos depois, já na Faculdade, acabei comprando uma Britânica também. Igualzinha, capa branca e tudo. E sabem de quem? Do tio da Consuelo Leandro, aquela atriz que fazia a Cremilda, a ricaça esnobe da Praça da Alegria, cujo bordão era ‘meu marido Oscar’.

A terceira: ele passou em todas as matérias, mas ficou de 2ª época em matemática. 

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