DE COMO QUEBREI A TAMPA DO
FILTRO
Pode parecer esnobismo, mas
até os sete anos de idade eu nunca tinha visto uma moringa ou um filtro de
barro. A gente lá em casa só tomava água mineral Pilar, com gás. Era uma
garrafa comprida, verde, que meu pai comprava de dúzia e guardava num engradado
debaixo da pia.
Nós não éramos ricos.
Morávamos em casa própria, é verdade, e meu pai tinha um carro. Um Dodge 37. Antes
ele tinha tido uma charrete, mas eu não conheci essa charrete. Eu nasci bem
depois dos meus irmãos. Então esses eram os bens da família: uma casa com dois
quartos, sala, cozinha e banheiro, mais um quartinho de empregada e um
banheirinho nos fundos. Na frente dois pequenos jardins, separados por uma
escada que dava na varanda. Na parede, um quadro de madeira, pintado à mão:
‘Saudades de Águas de São Pedro’.
Sim, tínhamos empregada. A
mais antiga de que me lembro é a Olga, que me dava banho e me levava de
cavalinho, embrulhado numa toalha, do banheiro para o quarto. Depois veio a
Dona Antônia. Só me lembro de quando ela não mais trabalhava em casa e vinha de
tempos em tempos fazer uma visita à minha mãe. Ela sempre trazia um punhado de
balas para mim. Era bem velha e mancava de uma perna. Me intrigava uma pinta
escura que ela tinha no queixo. Depois veio a Tinha. Era tão baixinha, quase do
meu tamanho, eu já com uns oito ou nove anos de idade. Ela me contava histórias
de medo lá do Nordeste.
Houve também a...Não vou
dizer o nome dela. Mas ela era tão feia, tão feia, que quando ela contou para
minha mãe que estava grávida, meu irmão disse que o pai era um cachorro. Só
podia ser.
Então era isso. Uma casa, um
automóvel e uma empregada. E, ia me esquecendo, um telefone. 80-27-65. Foi a
segunda casa da rua a ter um telefone. A primeira foi a do médico, Dr.
Lazzarini, que cuidou da minha testa quando eu caí e bati a cabeça na guia da
calçada. Até hoje eu tenho a cicatriz, que agora se confunde com as rugas.
Pois bem. A escola comprou
um filtro e instalou-o no banheiro dos alunos. Até então a gente tomava água na
torneira do jardim. Aquela coisa enorme para o meu tamanho, cor de tijolo,
estacionada atrás da porta, chegava a intimidar. Eu não conhecia aquilo. Da
primeira vez que vi o filtro fiquei encantado. Abri com cuidado a torneirinha e
tomei meu primeiro copo d’água filtrada! Sen-sa-cio-nal!
Mas como era por dentro?
Fiquei na ponta dos pés e ergui a tampa. Havia uma coisa branca dentro. O que
era aquilo? Parecia um...plaft! Me desequilibrei e a tampa partiu-se em dois.
Apavorado, não sabia o que
fazer. Esperei um pouco para ver se alguém tinha ouvido o barulho lá fora. Catei
os dois pedaços e cobri o filtro novamente. De onde eu estava, não parecia
quebrado. Claro. Eu era mais baixo que o filtro. Olhando de baixo para cima, o
disgramado continuava em posição de sentido, guardando o banheiro como uma
sentinela.
Abri a porta devagarinho,
espiei no corredor e, não vendo ninguém por perto, corri para o pátio. Ninguém
reclamou da tampa quebrada, nem naquele dia, nem nos seguintes, mas eu, por via
das dúvidas, continuei tomando água na torneira do jardim.
Minha nossa! Você me fez lembrar que eu também, quando tinha uns cinco ou seis anos, quebrei não apenas a tampa, mas o filtro todo de um amiguinho, vizinho meu! Na minha curiosidade (também nunca tinha visto um filtro de barro) não sei como fiz a coisa toda se espatifar na cozinha do meu amigo. A minha reação foi sair correndo para casa... Só voltei lá (sim, eu voltei...) uma semana depois...
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