DE COMO PASSEI EM
DIREITO DO TRABALHO
1967. São Francisco,
a faculdade de Direito. Eu estava no 3º ano. O professor de Direito do
Trabalho, Cesarino Junior, era um dos mais severos. Aliás, eu me atreveria a
dizer que ele era o único professor de verdade, empenhado em realmente fazer
daqueles jovens turbulentos e ruidosos advogados competentes e honestos. Os
demais eram juristas, oradores, desembargadores aposentados, autores de um
único livro, - enfim, dadores de aula, mas não professores.
Pois bem. Para o
exame escrito, eu havia estudado exaustivamente toda a matéria, tal o medo que
o mestre inspirava. Uma mania dele nas provas era exigir em qualquer resposta o
fundamento legal: o artigo, o parágrafo, o inciso, a alínea em que se baseava a
nossa balbuciante argumentação. Se alguém errava o maldito fundamento legal, a
resposta era anulada.
Eu devo ter errado,
pois tirei 2,0. Aí eu desisti de ir para o exame oral. Teria de tirar 8,0 para
ficar com média 5,0. “Não vou nem tentar”, pensei. “Se depois de rachar dias e
dias o homem me deu 2,0, que chance eu tenho de tirar 8,0?”
No dia do exame
oral, meus colegas insistiram para que eu tentasse. “Vai lá, cara! Que você tem
a perder? O pior que pode acontecer é pegar uma DP (dependência).”
- Mas e o vexame?
- Que vexame o quê?
Vai que...
Eu fui. O oral do
Cesarino era mais ou menos comparável a uma sessão da Santa Inquisição.
Primeiro você era chamado. Aí você se dirigia até a mesa e enfiava a mão numa
caixinha de madeira e tirava um papelzinho com alguns temas. Só que você não
era imediatamente arguido sobre aqueles pontos. Não. Enquanto algum colega,
chamado anteriormente, estava sendo massacrado, você se sentava numa carteira
próxima, com uma CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) disponível, e ia
“pensando”, organizando mentalmente as respostas.
- Meu Deus! –
pensei. Eu não sei nada disso. Não faço ideia. Que vergonha! O homem vai me
matar. Eu não posso ir embora agora. Quando eu sair daqui aqueles caras que me
fizeram entrar nessa fria vão ver uma coisa.
A assistente chamou
meu nome. O homem tinha uma assistente. Trêmulo de pavor, sentei-me na carteira
colada à mesa do Professor, que ficava uns vinte ou trinta centímetros acima do
nível do chão.
O professor tascou a
primeira pergunta. Ao contrário dos outros professores, que faziam perguntas
genéricas, do tipo “O que o senhor sabe a respeito da blablabla?” “Fale-me do
princípio da blablablalidade.”, o Cesarino era cruelmente objetivo: “Defina o
blablabla.” “Como se classifica o blablabla?” Não havia como encher linguiça e
divagar sobre bobagens.
Na primeira
pergunta, eu respondi sem hesitar a primeira coisa que me veio à mente. Ele nem
piscou. Segunda pergunta: idem. Respondi na bucha uma besteira qualquer. Ele
disse: “Fale mais alto.”
Aí, gente, eu tive
uma sacada genial, modéstia à parte. “O homem é surdo!” Na terceira pergunta,
respondi na hora, sem procurar enrolar: “Não sei.” Quarta pergunta. Eu me
inclinei para a frente. Ele também se inclinou para a frente e aí eu chutei
qualquer coisa, mas abaixando a voz.
Ele pareceu vacilar
um pouco e disse: “Pode ir para o quadro-negro.”
Havia um
quadro-negro. Pequeno, onde a assistente propunha um problema prático e o aluno
tinha que destrinchar a coisa, do tipo “Um operário ganhando tanto trabalhou
durante x anos numa empresa e foi despedido sem justa causa. Calcular o 13º,
férias, Fundo de Garantia e o diabo a quatro.”
Eu tinha uma vaga
ideia do que fazer. Comecei a preencher a lousa com um monte de números e acabei
ocupando todo o espaço da lousa sem chegar a nenhum resultado. A assistente,
que havia se afastado para acompanhar o aluno seguinte na arguição teórica,
voltou para mim e disse secamente: “Explique”.
Eu expliquei: “Eu
peguei os 36 últimos salários do empregado, tirei a média e...” E quando eu não
sabia mais como concluir o raciocínio, ela disse:
- Está bem. Pode se
retirar.
Saí da sala sem
saber o que dizer. “E aí, como foi?” meus colegas todos perguntaram.
- Não sei, respondi.
Tirei 9,5. Tomei uma
inesquecível saraivada de tapas na cabeça depois que meus colegas viram a nota.
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