quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA

DE COMO PASSEI EM DIREITO DO TRABALHO

1967. São Francisco, a faculdade de Direito. Eu estava no 3º ano. O professor de Direito do Trabalho, Cesarino Junior, era um dos mais severos. Aliás, eu me atreveria a dizer que ele era o único professor de verdade, empenhado em realmente fazer daqueles jovens turbulentos e ruidosos advogados competentes e honestos. Os demais eram juristas, oradores, desembargadores aposentados, autores de um único livro, - enfim, dadores de aula, mas não professores.
Pois bem. Para o exame escrito, eu havia estudado exaustivamente toda a matéria, tal o medo que o mestre inspirava. Uma mania dele nas provas era exigir em qualquer resposta o fundamento legal: o artigo, o parágrafo, o inciso, a alínea em que se baseava a nossa balbuciante argumentação. Se alguém errava o maldito fundamento legal, a resposta era anulada.
Eu devo ter errado, pois tirei 2,0. Aí eu desisti de ir para o exame oral. Teria de tirar 8,0 para ficar com média 5,0. “Não vou nem tentar”, pensei. “Se depois de rachar dias e dias o homem me deu 2,0, que chance eu tenho de tirar 8,0?”
No dia do exame oral, meus colegas insistiram para que eu tentasse. “Vai lá, cara! Que você tem a perder? O pior que pode acontecer é pegar uma DP (dependência).”
- Mas e o vexame?
- Que vexame o quê? Vai que...
Eu fui. O oral do Cesarino era mais ou menos comparável a uma sessão da Santa Inquisição. Primeiro você era chamado. Aí você se dirigia até a mesa e enfiava a mão numa caixinha de madeira e tirava um papelzinho com alguns temas. Só que você não era imediatamente arguido sobre aqueles pontos. Não. Enquanto algum colega, chamado anteriormente, estava sendo massacrado, você se sentava numa carteira próxima, com uma CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) disponível, e ia “pensando”, organizando mentalmente as respostas.
- Meu Deus! – pensei. Eu não sei nada disso. Não faço ideia. Que vergonha! O homem vai me matar. Eu não posso ir embora agora. Quando eu sair daqui aqueles caras que me fizeram entrar nessa fria vão ver uma coisa.
A assistente chamou meu nome. O homem tinha uma assistente. Trêmulo de pavor, sentei-me na carteira colada à mesa do Professor, que ficava uns vinte ou trinta centímetros acima do nível do chão.
O professor tascou a primeira pergunta. Ao contrário dos outros professores, que faziam perguntas genéricas, do tipo “O que o senhor sabe a respeito da blablabla?” “Fale-me do princípio da blablablalidade.”, o Cesarino era cruelmente objetivo: “Defina o blablabla.” “Como se classifica o blablabla?” Não havia como encher linguiça e divagar sobre bobagens.
Na primeira pergunta, eu respondi sem hesitar a primeira coisa que me veio à mente. Ele nem piscou. Segunda pergunta: idem. Respondi na bucha uma besteira qualquer. Ele disse: “Fale mais alto.”
Aí, gente, eu tive uma sacada genial, modéstia à parte. “O homem é surdo!” Na terceira pergunta, respondi na hora, sem procurar enrolar: “Não sei.” Quarta pergunta. Eu me inclinei para a frente. Ele também se inclinou para a frente e aí eu chutei qualquer coisa, mas abaixando a voz.
Ele pareceu vacilar um pouco e disse: “Pode ir para o quadro-negro.”
Havia um quadro-negro. Pequeno, onde a assistente propunha um problema prático e o aluno tinha que destrinchar a coisa, do tipo “Um operário ganhando tanto trabalhou durante x anos numa empresa e foi despedido sem justa causa. Calcular o 13º, férias, Fundo de Garantia e o diabo a quatro.”
Eu tinha uma vaga ideia do que fazer. Comecei a preencher a lousa com um monte de números e acabei ocupando todo o espaço da lousa sem chegar a nenhum resultado. A assistente, que havia se afastado para acompanhar o aluno seguinte na arguição teórica, voltou para mim e disse secamente: “Explique”.
Eu expliquei: “Eu peguei os 36 últimos salários do empregado, tirei a média e...” E quando eu não sabia mais como concluir o raciocínio, ela disse:
- Está bem. Pode se retirar.
Saí da sala sem saber o que dizer. “E aí, como foi?” meus colegas todos perguntaram.
- Não sei, respondi.

Tirei 9,5. Tomei uma inesquecível saraivada de tapas na cabeça depois que meus colegas viram a nota.

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