9. DE COMO EU PODIA
TER VIRADO UM HERÓI
Em 68 eu, aluno de
Letras na USP, dava aula no Equipe,
cursinho formado por ex-professores do
Cursinho do Grêmio
da Universidade. Na tarde do dia 3 de outubro, alguém –
não
lembro quem - abriu a porta da sala em
que eu estava
dando aula e gritou, esbaforido:
- Tá havendo uma
guerra na Maria Antônia. Precisamos ir lá
defender a Faculdade.
Maria Antônia é o
nome da rua em que funcionava a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
USP. Hoje é o
Centro Universitário Maria Antônia. No lado oposto da rua,
bem em
frente ao prédio, existia – e ainda existe – o
Mackenzie, uma universidade
particular.
Na USP quase todo
mundo era, ou se dizia, de esquerda. No
Mackenzie, muita gente era, ou se
dizia, de direita. A rua
era estreita, o pessoal era esquentado e o regime era militar.
De repente, o pau
começou a comer. Coquetéis molotov,
pedras, paus, bombas, o diabo...Conclusão:
o prédio da
Faculdade foi destruído por um incêndio e um rapaz de 20
anos, que
nem era universitário, acabou morto por uma bala perdida.
Eu fui ao velório
dele no dia seguinte. Não sei bem por quê:
não o conhecia e nem era tão
politizado na época. Aliás, até hoje não sou.
Bom, eu estava no
meio de uma aula. O que fazer? Largar
tudo e sair correndo para a Maria
Antônia? Convidar os
alunos para me seguir e entrar no quebra-quebra? Bater,
apanhar, morrer? Não fazer nada?
Optei por não fazer
nada. Segui minha aula mais ou menos
normalmente. Se tivesse ido, desastrado
como sou, era
capaz de levar uns sopapos ou, quem sabe, coisa pior.
Depois disso, fomos
transferidos atabalhoadamente para um
prédio da USP na Cidade Universitária e
foi lá que
terminamos aos trancos e barrancos o ano letivo de 1968.
Na internet, esse
episódio é chamado de Batalha da Maria
Antônia. Sinceramente, nunca ouvi
ninguém se referir a ele
desse jeito.
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