DE COMO OS ALUNOS
MORRERAM DE VERGONHA
Durante uns dez ou
doze anos eu tive a sorte e o privilégio de, no mês de julho, levar grupos de
alunos para fazer um curso de férias na Inglaterra. Numa dessas vezes, logo no
primeiro dia de aula, eu conduzi os meninos até a escola e antes que as aulas
começassem, uma professora inglesa me apresentou, numa salinha atrás do
banheiro, a outra professora. Era uma brasileira.
- Não pode, - disse
eu. Como eu vou justificar para os pais desses alunos que eles pagaram uma viagem
cara para os seus filhos estudarem inglês com uma professora brasileira? Para
quê vir para cá, então? Além disso, os alunos vão perceber o sotaque.
- Acho que não, -
disse a moça. Eu já estou aqui há onze anos, casei-me com um inglês e tenho
dois filhos que nasceram aqui. Em casa a gente só fala inglês.
- Desculpe, Patrícia,
mas dá para perceber um leve sotaque, que a gente nunca perde. Minha mãe morou
no Brasil durante cinquenta anos e até o fim da vida falava maçá em vez de
maçã. E tem mais: não me leve a mal, você não tem cara de inglesa. Seu cabelo é
moreno, sua pele é...
- Como nós vamos
fazer? – perguntou a inglesa. Não há outro professor disponível.
- Só se a gente
disser que ela é, digamos, russa, ou búlgara. Isso explicaria o sotaque, o cabelo
etc.
- Combinado.
Os alunos foram
então avisados que teriam aulas com a Helen, inglesa de Bristol, e a ‘Olenka’,
russa de São Petersburgo.
Aí as aulas
começaram.
Acontece que os
alunos não foram com a cara da russa. E começaram a fazer piadinhas com a professora.
- Olha a sandália
dela. Em que feira será que ela comprou isso?
- Mas ela não lava o
cabelo?
- Quem teria coragem
de usar uma saia dessas? Que horror!
E a todos os
insultos a ‘Olenka’ respondia com um sorriso, sem jamais se trair e tratando todo
mundo da maneira mais educada possível.
Eu ainda tentava
controlar a situação, dizendo aos alunos para não falar português em aula. Além
de ser contraproducente, era uma falta de educação, pois as professoras não
entendiam português. Mas qual o quê! Os meninos, principalmente as meninas, não
davam trégua à pobre ‘Olenka’. As piadinhas continuavam as mesmas, mas as
gargalhadas iam aumentando a cada dia.
Aí chegou o fim do
curso. Eu programei – tal como fazia todo ano – uma festa de despedida. Fiz uma
reserva para trinta e poucas pessoas numa pizzaria e lá fomos nós. No fim das
pizzas, eu me levantei e fiz um pequeno discurso, agradecendo as professoras.
Em seguida, a Helen também se levantou e deu os parabéns aos alunos pelo
progresso que tinham feito nas aulas.
Chegou a vez da ‘Olenka’.
Bem calmamente, ela começou a falar - em inglês, obviamente – agradecendo aos
alunos pelo seu comportamento durante as aulas e pela participação nas
atividades e, sem fazer nenhuma pausa, emendou o discurso falando em português
fluente e terminando com:
- E olha aqui,
gente, eu me chamo Patrícia, não Olenka.
Os alunos todos se
voltaram para mim, apavorados.
- Você sabia? Você
sabia?
Uma gordinha estava
desesperada. Ela era uma das mais cruéis nos comentários.
- Sabia, respondi
com um sorriso sádico.
- Pô, professor,
sacanagem.
- Lembra quantas
vezes eu disse para vocês não falarem português em aula?
Aí aos poucos os
alunos lentamente foram se levantando e formando uma fila diante da Patrícia.
Todos pedindo desculpas, “não leve a mal, ein, fessora”, “foi sem querer,
Olenka, quer dizer, Patrícia, juro”
Grande ‘Olenka’!
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