segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CONTRATEMPO

Sábado passado tive um pequeno contratempo: fui SEQUESTRADO! Ao descer do carro no estacionamento de um supermercado (não digo o nome por razões que a própria razão desconhece), fui abordado por dois rapazes (notem que eu não me refiro a eles como ‘bandidos’), um deles com um revólver apontado não para minha cabeça, mas para os meus países baixos. Fui empurrado para o banco do passageiro, o ‘piloto’ assumiu a direção e outro, o da arma, sentou-se no banco de trás. Saímos da garagem rapidamente e passamos quase quatro horas juntos. Entramos em vários supermercados e shopping centers. Eu permaneci sentado o tempo todo. O rapaz armado descia do carro, o piloto ficava comigo e depois de dez ou vinte minutos, ele voltava, sempre de mãos vazias. Como eles se comunicavam a todo instante com seu(s) comparsa(s) lá fora, o que eles adquiriam com o meu cartão de banco (mais de 25 mil reais) era distribuído entre eles.
Não fui agredido em nenhum momento. Pelo contrário, perguntavam de tempos em tempos se eu estava me sentindo melhor (no início eu pensei que ia ter um troço, uma vez que sou, entre outras coisas, hipertenso e cardiopata), me ofereciam água, dispondo-se a trazer algum remédio que eu porventura precisasse tomar naquela hora.
Durante as horas que passei com eles, conversamos sobre algumas coisas. Cito duas (não literalmente):
1º diálogo:
- O senhor acredita em Deus?
- Não.  Com tanta injustiça que há no mundo, Deus não pode existir. Veja o meu caso, por exemplo. Eu sou um professor. Eu passei a vida fazendo o bem. Tem muita gente aí que fala inglês graças a mim. Vocês acham justo eu estar nesta situação aqui?
2º diálogo (no banco de trás, o rapaz, entre uma compra e outra) ligou para a casa dele e conversou com a filha):
- Sabe o que eu estava pensando?
- Em quê?
- Na sua filha, que deve ter mais ou menos a mesma idade de um dos meus netos. Você sabe o risco que sua filha corre, né, o risco de crescer sem o pai. Uma criança, sobretudo pequenininha, é tão frágil, tão inocente, tão desprotegida...A gente tem que proteger essa criança, não deixar que ela sofra enquanto for pequena. Depois ela cresce e segue a vida que quiser. Mas enfim, cada um sabe de si.
- É, eu sei.
No fim da história, eles me devolveram minha carteira de documentos (sem o cartão e o RG), o controle do portão do meu prédio, as chaves do meu apartamento e levaram o carro embora. Não levaram meu relógio nem meu dinheiro. Desci junto com um deles (o que estava armado e tem uma filhinha) e fomos juntos até um ponto de táxi ali perto. Como a calçada estava em obras, toda esburacada, ele ofereceu o braço para que eu me apoiasse nele. Eu aceitei. No ponto do táxi, em frente a um supermercado, ele me estendeu a mão e nos despedimos, como dois amigos. Eu entrei no táxi e ele no mercado.
No dia seguinte, o carro foi encontrado, com o tanque cheio e com algum dano, é verdade, mas perto do que podia ter acontecido, saiu barato.
Acreditem, se quiserem. Não guardo nenhuma mágoa dos rapazes. Se encontrasse algum deles na rua, seria capaz de bater um papo com ele, numa boa, "suave", como eles diziam de vez em quando.



Um comentário:

  1. Professor, o que mais choca é que a violência tomou conta da rotina, né ?
    Mas apesar do trágico da situação, você fez um relato brilhante. Ácido e doce ao mesmo tempo. Fico feliz em saber que você está bem. Bjo Cristiana ( Beréa )

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