quinta-feira, 5 de março de 2015

MINICONTOS DE MISTÉRIO

O pica-pau
Em seu leito de morte, um homem aguardava serenamente o desfecho inevitável. Não tinha medo da morte. Aprendera a não crer em nada – nem em Deus, muito menos em vida no Além. 
De olhos fechados, ficou esperando. De repente, ouviu um toc-toc-toc. no jardim. Ergueu-se com dificuldade da cama e olhou pela janela.
Era um pica-pau enorme, olhando fixamente para ele. O homem entendeu. Era chegada sua hora. Só teve tempo de escrever (ele era francês): ‘Cherchez le pica-pau.’
A família está inconsolável.

O testamento
‘Oh!’ exclamaram todos quando o advogado abriu o testamento. O falecido tinha deixado tudo para o seu fiel motorista, que o servira por mais de trinta anos.
‘Mas...mas não possível!’ disse a irmã, ‘o seu Almeida morreu há seis anos!’
‘Temos de anular esse testamento’, esbravejou um primo distante.
‘Acontece o seguinte, senhores’ interrompeu o advogado. ‘O Almeida era espírita, como vocês sabem. Ele acreditava que os mortos haveriam de voltar à vida, de alguma forma. Por isso, ele...’
‘De jeito nenhum!’
‘É um absurdo!’
‘Velho caduco!’
Num canto da sala, um gato acompanhava, silencioso, toda aquela balbúrdia. Após um instante de hesitação, balançou a cauda e retirou-se.

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