segunda-feira, 9 de julho de 2018

Neymar e a literatura


NEYMAR E A LITERATURA
O desempenho do nosso mais famoso craque despertou em mim antigas recordações literárias, que passo a compartilhar com vocês.
Em primeiríssimo lugar, como não poderia deixar de ser, Fernando Pessoa, que dispensa apresentações:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

O poeta, Neymar, o poeta...

Em segundo lugar, Graciliano Ramos. Autor de várias obras primas, tais como Vidas Secas, Angústia, São Bernardo, Insônia, entre outros livros imortais, Graciliano escreveu esta crônica, publicada pela primeira vez em "o Índio", em Palmeira dos Índios (AL), em 1921, com o pseudônimo de J. Calisto, da qual reproduzo alguns trechos:
Pensa-se em introduzir o futebol, nesta terra. É uma lembrança que, certamente, será bem recebida pelo público, que, de ordinário, adora as novidades. Vai ser, por algum tempo, a mania, a maluqueira, a ideia fixa de muita gente. Com exceção talvez de um ou outro tísico, completamente impossibilitado de aplicar o mais insignificante pontapé a uma bola de borracha, vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um mês.
Pois quê! A cultura física é coisa que está entre nós inteiramente descurada. Somos, em geral, franzinos, mirrados, fraquinhos, de uma pobreza de músculos lastimável.
A parte de nosso organismo que mais se desenvolve é a orelha, graças aos puxões maternos, mas não está provado que isto seja um desenvolvimento de utilidade. Para que serve ser a gente orelhuda? O burro também possui consideráveis apêndices auriculares, o que não impede que o considerem, injustamente, o mais estúpido dos bichos. Fisicamente falando, somos uma verdadeira miséria. Moles, bambos, murchos, tristes - uma lástima! Pálpebras caídas, beiços caídos, braços caídos, um caimento generalizado que faz de nós um ser desengonçado, bisonho, indolente, com ar de quem repete, desenxabido e encolhido, a frase pulha que se tornou popular: "Me deixa..." Precisamos fortalecer a carne, que a inação tornou flácida, os nervos, que excitantes estragaram, os ossos que o mercúrio escangalhou.
Consolidar o cérebro é bom, embora isto seja um órgão a que, de ordinário, não temos necessidade de recorrer. Consolidar o muque é ótimo. Convencer um adversário com argumentos de substância não é mau. Poder convencê-lo com um grosso punho cerrado diante do nariz, cabeludo e ameaçador, é magnífico. (...)
Mas por que o futebol?
Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não.
Ora, parece-nos que o futebol não se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.
Para que um costume intruso possa estabelecer-se definitivamente em um país é necessário, não só que se harmonize com a índole do povo que o vai receber, mas que o lugar a ocupar não esteja tomado por outro mais antigo, de cunho indígena. É preciso, pois, que vá preencher uma lacuna, como diz o chavão.
Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a certeza.
Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, a rasteira.
A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!
Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro - e a rasteira nos salva.
Cultivem a rasteira, amigos!

Graciliano errou no acessório, mas no essencial, foi tiro e queda. Nesta Copa, perdemos não porque nos faltaram sorte, talento ou estratégias táticas. Faltou-nos força física. Somos moleirões, fracotes e...cai-cai.

Em terceiro lugar, Carlo Collodi, autor de As Aventuras de Pinóquio, um romance escrito em Florença no ano de 1881 e publicado dois anos depois com ilustrações de Enrico Mazzanti. Como todo mundo sabe, o nariz de Pinóquio cresce toda vez que ele conta uma mentira. Se a farsa, o exagero. as caras e bocas produzissem o mesmo efeito em Neymar, ele tropeçaria não nas pernas adversárias, mas no narigão descomunal, do tamanho de suas encenações.


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