NEYMAR E A LITERATURA
O desempenho do nosso mais famoso craque despertou em mim
antigas recordações literárias, que passo a compartilhar com vocês.
Em primeiríssimo lugar, como não poderia deixar de ser,
Fernando Pessoa, que dispensa apresentações:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
O poeta, Neymar, o
poeta...
Em segundo lugar, Graciliano Ramos. Autor de várias
obras primas, tais como Vidas Secas,
Angústia, São Bernardo, Insônia, entre outros livros imortais, Graciliano
escreveu esta crônica, publicada pela primeira vez em "o Índio",
em Palmeira dos Índios (AL), em 1921, com o pseudônimo de J. Calisto, da qual
reproduzo alguns trechos:
Pensa-se em
introduzir o futebol, nesta terra. É uma lembrança que, certamente, será bem
recebida pelo público, que, de ordinário, adora as novidades. Vai ser, por
algum tempo, a mania, a maluqueira, a ideia fixa de muita gente. Com exceção
talvez de um ou outro tísico, completamente impossibilitado de aplicar o mais
insignificante pontapé a uma bola de borracha, vai haver por aí uma excitação,
um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um
mês.
Pois quê! A cultura física é coisa
que está entre nós inteiramente descurada. Somos, em geral, franzinos,
mirrados, fraquinhos, de uma pobreza de músculos lastimável.
A parte de nosso organismo que mais
se desenvolve é a orelha, graças aos puxões maternos, mas não está provado que
isto seja um desenvolvimento de utilidade. Para que serve ser a gente orelhuda?
O burro também possui consideráveis apêndices auriculares, o que não impede que
o considerem, injustamente, o mais estúpido dos bichos. Fisicamente falando,
somos uma verdadeira miséria. Moles, bambos, murchos, tristes - uma lástima!
Pálpebras caídas, beiços caídos, braços caídos, um caimento generalizado que
faz de nós um ser desengonçado, bisonho, indolente, com ar de quem repete,
desenxabido e encolhido, a frase pulha que se tornou popular: "Me
deixa..." Precisamos fortalecer a carne, que a inação tornou flácida, os
nervos, que excitantes estragaram, os ossos que o mercúrio escangalhou.
Consolidar o cérebro é bom, embora
isto seja um órgão a que, de ordinário, não temos necessidade de recorrer.
Consolidar o muque é ótimo. Convencer um adversário com argumentos de
substância não é mau. Poder convencê-lo com um grosso punho cerrado diante do
nariz, cabeludo e ameaçador, é magnífico. (...)
Mas por que o futebol?
Não seria, porventura, melhor
exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o
murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a
introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão
assimiláveis ou não.
Ora, parece-nos que o futebol não
se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos
serve.
Para que um costume intruso possa
estabelecer-se definitivamente em um país é necessário, não só que se harmonize
com a índole do povo que o vai receber, mas que o lugar a ocupar não esteja
tomado por outro mais antigo, de cunho indígena. É preciso, pois, que vá
preencher uma lacuna, como diz o chavão.
Temos esportes em quantidade. Para
que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a
certeza.
Reabilitem
os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda
de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado
ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que
tudo, a rasteira.
A rasteira! Este, sim, é o esporte
nacional por excelência!
Todos nós vivemos mais ou menos a
atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar
para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro - e a rasteira nos
salva.
Cultivem a rasteira, amigos!
Graciliano errou no acessório, mas no essencial, foi tiro e queda.
Nesta Copa, perdemos não porque nos faltaram sorte, talento ou estratégias
táticas. Faltou-nos força física. Somos moleirões, fracotes e...cai-cai.
Em terceiro lugar, Carlo Collodi, autor de As Aventuras de Pinóquio, um romance escrito em Florença no ano de 1881 e publicado
dois anos depois com ilustrações de Enrico Mazzanti. Como todo mundo
sabe, o nariz de Pinóquio cresce toda vez que ele conta uma mentira. Se a
farsa, o exagero. as caras e bocas produzissem o mesmo efeito em Neymar, ele
tropeçaria não nas pernas adversárias, mas no narigão descomunal, do tamanho de
suas encenações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário