Tudo que sei da ‘última flor
do Lácio, inculta e bela’, aprendi com o Tolosa, professor de português do
Cursinho do mesmo nome, com o Pina, professor de latim do Colégio Estadual
Presidente Roosevelt e com mestres como Camilo, Eça, Machado, Lobato, Pessoa,
Graciliano e Bilac, entre outros – todos eles familiarizados com as ciladas da
colocação pronominal.
Ao contrário do que se pensa,
a mesóclise não é contemporânea à extinção dos dinossauros. Ela só passou a ser
usada muitos milênios depois, quando o Império Romano já estava em seus
estertores e a língua falada em suas diversas ex-províncias parecia-se cada vez
menos com o latim castiço de Cícero e Virgílio.
O que aconteceu foi mais ou
menos o seguinte: o futuro do presente (antes denominado ‘futuro do indicativo’)
e o futuro do pretérito (que atendia pelo ridículo* nome de ‘condicional’), passaram
por uma transformação lá pelo século V ou VI d.C..
.
Estes dois tempos verbais, que
no latim eram sintéticos, isto é, formados de uma só palavra, foram aos poucos
substituídos por formas analíticas, ou seja, duas palavras: o infinitivo do
verbo principal + o verbo habere.
Isso significa que ‘falarei’, por exemplo, deriva remotamente de ‘falar + hei’.
Ainda é possível, para quem tiver infinita paciência, encontrar em velhíssimos
alfarrábios coisas do arco da velha, tais como falarhei, ou falarhia.
Por serem formas compostas,
estes tempos verbais admitiam a colocação dos pronomes oblíquos entre elas. A
este fenômeno linguístico, que, parece, só existe na nossa língua, deu-se o
nome de mesóclise.
Seguem alguns exemplos
edificantes:
1.
Seria dele mesmo a ideia relativa ao nascimento
de D. Evarista ou tê-la-ia encontrado em algum autor...? (Machado de Assis, O Alienista)
2.
Dir-se-ia que o anjo da bonança distendera suas
asas de ouro por sobre a casa triste. (Monteiro Lobato, O Comprador de Fazendas)
3.
Simão Botelho velava prostrado no camarote, com
os braços cruzados sobre o peito, e os olhos fitos na luz que balançava,
pendente de um arame. O ouvido tê-lo-ia, talvez, atento a um assobio da
ventania. (Camilo Castelo Branco, Amor de
Perdição)
4.
Dar-lhe-ei conta da resposta de Lello logo que
a receber. (Eça de Queiroz, carta a Ramalho Ortigão)
5.
Afinal meu pai desesperou de
instruir-me, revelou tristeza por haver gerado um maluco e deixou-me. Respirei,
meti-me na soletração, guiado por Mocinha. E as duas letras amansaram. Gaguejei
sílabas um mês. No fim da carta elas se reuniam, formavam sentenças graves,
arrevessadas, que me atordoavam. Certamente meu pai usara um horrível embuste
naquela maldita manhã, inculcando-me a excelência do papel impresso. Eu não lia
direito, mas, arfando penosamente, conseguia mastigar os conceitos sisudos: “A
preguiça é a chave da pobreza – Quem não ouve conselhos raras vezes acerta
– Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém.”
Esse Terteão para mim era um homem, e não pude saber que fazia ele na
página final da carta. As outras folhas se desprendiam, restavam-me as linhas
em negrita, resuma da ciência anunciada por meu pai.
– Mocinha, quem é o Terteão?
6.
Bebo-o porque é líquido, se
fosse sólido comê-lo-ia. (Jânio Quadros, a respeito do uísque)
7.
Queres mesmo saber?
Di-lo-ei, pois: Renunciei, porque a comida do Palácio era uma merda, igual a
esta de tua casa. (Jânio, de novo, respondendo a uma pergunta sobre as razões
de sua renúncia).
* O termo
‘condicional’ ainda subsiste em línguas secundárias, sem nenhuma tradição
literária, como o inglês (conditional),
o espanhol (condicional), o francês (conditionnel) e o italiano (condizionale). Os nossos gramáticos o
abominam – que absurdo! – preferem a “clareza”
do ‘futuro do pretérito’ a essa coisa complicada, que é o ‘condicional’.
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