segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

TEMPOS DE ESCOLA

7. DE COMO NÃO TAPEEI A POLÍCIA INGLESA

- Todo brasileiro é desonesto!
- Que é isso, cara? Tá maluco?
- Eu acho que brasileiro é, por natureza, desonesto. Está no DNA da gente. Eu não sei direito o que é DNA mas...
- O DNA é uma molécula localizada no núcleo da célula que...
- Pelo amor de Deus, nem tente me explicar. Não me interessa.
Se você, raro leitor, pensou que nesse diálogo eu sou o que discorda da afirmação, enganou-se. Eu acho mesmo que nós nascemos com uma inclinação inata para trapacear. Todos nós, inclusive eu, é claro.
Eu sou, digamos, razoavelmente honesto. Para os frouxos padrões nacionais, honestíssimo. Mas é por comodismo, por covardia. Por falta de coragem de aplicar um tremendo golpe na praça. E também porque eu não quero que me encham o saco. Como aconteceu lá em Santos.
Houve um tempo, lá no início dos anos 70, que eu e um bando de professores malucos de São Paulo, resolvemos abrir um cursinho em Santos, usando as apostilas do Equipe, onde todos trabalhávamos.
Uma tarde, era o último dia para a entrega da declaração do Imposto de Renda. Era ainda aquele formulário azul, enorme, complicado, que eu não sabia preencher. Quem fazia isso para mim era o contador do Equipe. Na última hora, o Walter (nome fictício) me entregou a declaração e eu fui para Santos. Chegando lá, dei a papelada para o secretário do Decisão (nós o chamávamos de Mexilhão) e pedi que ele a levasse a algum banco de lá.
Eu tinha imposto a pagar. E todo mês eu dava ao secretário um cheque para ele pagar o meu imposto devido.
Não é que que tempos depois eu recebo uma correspondência do Fisco, dizendo que eu não havia entregue a declaração e que eu tinha de pagar uma multa, com juros etc., etc. O disgramado do secretário não trabalhava mais lá nem morava mais em Santos.
Então, para evitar dores de cabeça desse tipo, eu pago meus impostos direitinho, não estaciono em lugar proibido, não furo fila e só atravesso na faixa de pedestre. Um modelo de honestidade.
Pois bem. Um dia eu estava Inglaterra com um grupo de alunos. Estávamos embolados numa esquina em Londres, atrapalhando os ingleses que passavam apressados e esperando o ônibus que iria nos levar de volta para a cidade em que estávamos baseados. De repente, uma menina gritou:
- Professor, roubaram minha carteira!
- Ein? Como? Não é possível! Mas como aconteceu? Etc.
A calçada ficou mais embolada ainda.
Não vou entrar em detalhes. O fato é que tinham batido a carteira da garota. Mais de 400 libras a tontinha carregava numa mochila presa às costas.
Não havia o que fazer. O ônibus chegou, entramos todos, a menina, desolada esforçando-se para conter as lágrimas.
À noite, contei o incidente para a minha landlady, a dona da casa em que estava hospedado.
- Você pode ir a uma delegacia e dar parte do furto, ela disse. Você tem 24 horas.
E seguiu explicando como funciona a polícia inglesa.
- Eles vão lhe dar um número. Quando a menina voltar para o Brasil, ela dá o número para o seguro dela e o seguro deve reembolsá-la.
- Mas acontece que amanhã nós vamos para Oxford.
- Well, nesse caso, não dá para fazer nada.
Aí entrou meu DNA.
- Eu posso ir a uma delegacia em Oxford e dizer para eles que o furto aconteceu lá mesmo em Oxford.
A inglesa imediatamente mudou de postura.
- I’m sorry, mas se você quer enganar a polícia inglesa, não conte comigo.
A conversa morreu aí. No dia seguinte, não ousei entrar numa delegacia na Inglaterra e, na cara dura, olhos nos olhos, mentir para um súdito da Rainha, mesmo que ele não estivesse usando um daqueles ridículos chapéus peludos.

Joyce, a garota, coitadinha, ficou no prejuízo.

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