7. DE COMO NÃO
TAPEEI A POLÍCIA INGLESA
- Todo brasileiro é
desonesto!
- Que é isso, cara?
Tá maluco?
- Eu acho que
brasileiro é, por natureza, desonesto. Está no DNA da gente. Eu não sei direito
o que é DNA mas...
- O DNA é uma
molécula localizada no núcleo da célula que...
- Pelo amor de Deus,
nem tente me explicar. Não me interessa.
Se você, raro
leitor, pensou que nesse diálogo eu sou o que discorda da afirmação,
enganou-se. Eu acho mesmo que nós nascemos com uma inclinação inata para
trapacear. Todos nós, inclusive eu, é claro.
Eu sou, digamos,
razoavelmente honesto. Para os frouxos padrões nacionais, honestíssimo. Mas é
por comodismo, por covardia. Por falta de coragem de aplicar um tremendo golpe
na praça. E também porque eu não quero que me encham o saco. Como aconteceu lá
em Santos.
Houve um tempo, lá
no início dos anos 70, que eu e um bando de professores malucos de São Paulo,
resolvemos abrir um cursinho em Santos, usando as apostilas do Equipe, onde
todos trabalhávamos.
Uma tarde, era o
último dia para a entrega da declaração do Imposto de Renda. Era ainda aquele
formulário azul, enorme, complicado, que eu não sabia preencher. Quem fazia
isso para mim era o contador do Equipe. Na última hora, o Walter (nome
fictício) me entregou a declaração e eu fui para Santos. Chegando lá, dei a
papelada para o secretário do Decisão (nós o chamávamos de Mexilhão) e pedi que
ele a levasse a algum banco de lá.
Eu tinha imposto a
pagar. E todo mês eu dava ao secretário um cheque para ele pagar o meu imposto
devido.
Não é que que tempos
depois eu recebo uma correspondência do Fisco, dizendo que eu não havia
entregue a declaração e que eu tinha de pagar uma multa, com juros etc., etc. O
disgramado do secretário não trabalhava mais lá nem morava mais em Santos.
Então, para evitar
dores de cabeça desse tipo, eu pago meus impostos direitinho, não estaciono em
lugar proibido, não furo fila e só atravesso na faixa de pedestre. Um modelo de
honestidade.
Pois bem. Um dia eu
estava Inglaterra com um grupo de alunos. Estávamos embolados numa esquina em
Londres, atrapalhando os ingleses que passavam apressados e esperando o ônibus
que iria nos levar de volta para a cidade em que estávamos baseados. De
repente, uma menina gritou:
- Professor,
roubaram minha carteira!
- Ein? Como? Não é
possível! Mas como aconteceu? Etc.
A calçada ficou mais
embolada ainda.
Não vou entrar em
detalhes. O fato é que tinham batido a carteira da garota. Mais de 400 libras a
tontinha carregava numa mochila presa às costas.
Não havia o que
fazer. O ônibus chegou, entramos todos, a menina, desolada esforçando-se para
conter as lágrimas.
À noite, contei o
incidente para a minha landlady, a
dona da casa em que estava hospedado.
- Você pode ir a uma
delegacia e dar parte do furto, ela disse. Você tem 24 horas.
E seguiu explicando
como funciona a polícia inglesa.
- Eles vão lhe dar
um número. Quando a menina voltar para o Brasil, ela dá o número para o seguro
dela e o seguro deve reembolsá-la.
- Mas acontece que
amanhã nós vamos para Oxford.
- Well, nesse caso, não dá para fazer
nada.
Aí entrou meu DNA.
- Eu posso ir a uma
delegacia em Oxford e dizer para eles que o furto aconteceu lá mesmo em Oxford.
A inglesa
imediatamente mudou de postura.
- I’m sorry, mas se você quer enganar a
polícia inglesa, não conte comigo.
A conversa morreu
aí. No dia seguinte, não ousei entrar numa delegacia na Inglaterra e, na cara
dura, olhos nos olhos, mentir para um súdito da Rainha, mesmo que ele não
estivesse usando um daqueles ridículos chapéus peludos.
Joyce, a garota,
coitadinha, ficou no prejuízo.
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