16. DE COMO EU CONHECI O HOSPITAL DE BELÉM
Uma vez o Coral da Faculdade de Direito descolou uma viagem a Belém
do Pará. Eram mais ou menos uns cem caras de pau, que, individualmente, não
cantavam nem em chuveiro, com exceção de um rapaz, baixinho, inglês, de nome
Fink. Esse era o único que realmente sabia cantar e era dono de uma voz
possante. Uma vez, numa viagem a Jales, no interior de São Paulo, alguns
camaradas entraram no quarto do Fink pela janela e deram nó nas camisas e
calças do inglês. Quando ele entrou no quarto e viu o estrago, comentou muito
britanicamente:
- Hoje à noite teremos Puccini.
E naquela noite o desgraçado não deixou ninguém dormir. O hotel era
pequeno e passamos a noite em claro, gritando “Cala a boca, Fink!”, ao som de Nessun Dorma, que ele repetiu várias
vezes, já que Nessun Dorma quer dizer
exatamente isso, Que Ninguém Durma,
além de O Mio Babbino Caro, In Questa Reggia e sei lá mais o quê.
No outro extremo da escala de qualidade vocal, estava o Adilson. Ele
fazia parte da 3ª voz, os “tenores”, como eu. Ninguém queria cantar perto do
Adilson. Ele desafinava feito o diabo e ainda por cima contaminava quem estava
por perto. Quem se postava à esquerda ou à direita do Adilson sempre inclinava
a cabeça para o lado, para ficar o mais longe possível daquela voz de taquara rachada.
E lá fomos nós para Belém pela Cruzeiro do Sul. O avião fez escala
em Brasília. Por algum motivo o avião trepidou na aterrissagem, o sacolejo fez
os compartimentos de bagagem se abrirem e vários “cantores” se feriram de leve.
Uma caixa de ferramentas desabou no nariz do Mantovani, mas conseguimos chegar
a Belém sãos e salvos. Foi a primeira vez que, do céu, eu vi as luzes de uma
cidade à noite. A Baía de Guajará até hoje está gravada em minha memória.
Naquela mesma noite, jantamos no restaurante do hotel. E eu,
confesso envergonhado, comi um prato típico da região, hoje considerado de
extremo mau gosto e politicamente incorreto: casquinho de açuã. Se procurarem
na internet não vão achar. É uma espécie de farofa de tartaruguinha, servida no
próprio casco da infeliz. Não me condenem, por favor. Na época, não havia nem
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis), nem o Projeto Tamar (Centro Nacional de Pesquisa e
Conservação de Tartarugas Marinhas).
No dia seguinte, pela manhã, passeamos pela cidade, visitamos o
Mercado de Ver-o-Peso, comemos pato-no tucupi e chupamos sorvete de açaí,
novidades das quais eu nunca tinha ouvido falar. Depois, fomos levados ao Clube
Assembleia Paraense, frequentado pela elite da cidade. E foi aí que a coisa
começou a desandar. Os pratinhos de castanha do Pará se espalhavam pelas salas
e piscinas do clube. A gente comia as castanhas como quem come pipoca. E a
cerveja também era de graça. Naquele calor, dá para imaginar o resultado...
Fomos então visitar o Museu Emílio Goeldi, dedicado ao estudo do
meio ambiente da Amazônia. Aí eu comecei a passar mal. Pedi licença ao maestro
para voltar para o hotel. Ao entrar no quarto, já estavam lá o Inserra e o
Anselmi, que tinham iniciado a sessão de vômito e diarreia antes de mim. Para
piorar, eu comi mamão, achando que ia fazer bem. Mamão, para quem não sabe,
facilita a digestão e o que vem depois da digestão...
Durante umas duas ou três horas nós três nos revezamos no banheiro.
Depois, não deu mais para aguentar. Fomos levados a um hospital, onde ficamos
internados, com uma desidratação braba.
Perdemos o voo de volta. Precisamos aguardar mais um dia para pegar
carona num inesquecível avião da Paraense. Chovia dentro, juro que chovia. O
Inserra vomitou o tempo todo, mas finalmente chegamos a São Paulo, pálidos,
barbudos, carregando cada um seu arco e flecha feito por índios lá da região.
A apresentação do Coral? Sabe que eu não me lembro?
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