Vagas
lembranças da UTI
Desde
que fui internado, minha cabeça dá piruetas e saltos mortais, mistura realidade
e fantasia, enxerga imagens de flores tropicais no lugar de cenas da guerra
civil americana. Eu não tenho controle de nada disso. Só me apavoro com as
visões absurdas, principalmente à noite, que se descortinam diante dos meus
olhos.
Por
isso, eu não me lembro de nada com nitidez e muito menos em ordem cronológica.
Em
primeiro lugar (ou segundo – talvez terceiro), tudo na UTI diminui de tamanho:
-
Seu Israel, eu vou dar uma picadinha no seu bracinho. Não dói nadinha, nadinha.
E depois o senhor pode tirar sua sonequinha
Também
me lembro de dois enfermeiros – um homem e uma mulher – que passaram pela minha
cama para ver se estava tudo em ordem. Isso deve ter sido na primeira ou segunda
noite. Eu estava usando fralda e havia um bololó lá nos ’Países Baixos’.
-
Nossa! exclamou a enfermeira, espantada com o meu ‘volume’.
-
É que ele está usando fralda, explicou o enfermeiro.
Aí
eu entrei em campo e disse para a enfermeira:
-
Você tava se achando, não?
Mais
um fiapo de memória (o último, prometo): minha cama ficava numa extremidade da
UTI e eu tinha que praticamente gritar para chamar a atenção das enfermeiras.
Com uma voz que soava como a de um moribundo, eu esganiçava:
-
Enfermêria, enfermêria!
E
me maldizia: “Caramba! Não é enfermêria! É enfermeira.” mas a língua amortecida
me impedia de falar direito.
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