terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

vagas lembranças da UTI

Vagas lembranças da UTI

Desde que fui internado, minha cabeça dá piruetas e saltos mortais, mistura realidade e fantasia, enxerga imagens de flores tropicais no lugar de cenas da guerra civil americana. Eu não tenho controle de nada disso. Só me apavoro com as visões absurdas, principalmente à noite, que se descortinam diante dos meus olhos.


Por isso, eu não me lembro de nada com nitidez e muito menos em ordem cronológica.

Em primeiro lugar (ou segundo – talvez terceiro), tudo na UTI diminui de tamanho:

- Seu Israel, eu vou dar uma picadinha no seu bracinho. Não dói nadinha, nadinha. E depois o senhor pode tirar sua sonequinha


Também me lembro de dois enfermeiros – um homem e uma mulher – que passaram pela minha cama para ver se estava tudo em ordem. Isso deve ter sido na primeira ou segunda noite. Eu estava usando fralda e havia um bololó lá nos ’Países Baixos’.
- Nossa! exclamou a enfermeira, espantada com o meu ‘volume’.
- É que ele está usando fralda, explicou o enfermeiro.
Aí eu entrei em campo e disse para a enfermeira:
- Você tava se achando, não?

Mais um fiapo de memória (o último, prometo): minha cama ficava numa extremidade da UTI e eu tinha que praticamente gritar para chamar a atenção das enfermeiras. Com uma voz que soava como a de um moribundo, eu esganiçava:
- Enfermêria, enfermêria!
E me maldizia: “Caramba! Não é enfermêria! É enfermeira.” mas a língua amortecida me impedia de falar direito.


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