segunda-feira, 13 de outubro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA

DE COMO MEU IBOPE SUBIU
Durante alguns anos eu dei aula no Equipe. O Cursinho Equipe nasceu em 1968, quando todo o pessoal do Cursinho do Grêmio, por questões políticas que eu nem sei explicar direito, resolveu sair e fundar um novo curso preparatório aos vestibulares da USP.
Era um curso inovador, cheio de ideias pra lá de avançadas que realmente o tornavam diferente dos concorrentes. A Abril Vestibular, a primeira coleção de revistas com material didático vendido em banca de jornal, foi escrito por nós, com base em nossas apostilas em estilo de instrução programada. Coisa fina. O Departamento Cultural, que nenhum outro cursinho possuía, promovia shows no teatro da Escola. Era dirigido pelo Serginho Groisman. É mole? Nós tínhamos um palco! Lembro-me que Gilberto Gil deu uma canja lá. Lembro também de uma peça do teatro do absurdo de Ionesco, ‘A Cantora Careca’, que ninguém na plateia entendeu mas todo mundo aplaudiu freneticamente. Nessa época ainda não era moda gritar ‘uhu!’ feito um chimpanzé americano.
Havia também sessões de cinema para os alunos. Um dos filmes exibidos foi ‘O Gabinete do Doutor Caligari, um filme mudo em branco e preto, representante do cinema expressionista alemão do séc. XX. Diante de uma cena particularmente forte, ouviu-se no meio dos alunos um comentário: “Expressionante, não?” Todo mundo riu.
A grande diferença, contudo, do nosso cursinho era a qualidade dos professores. Em cada matéria havia pelo menos um cara fora de série, craque mesmo, desses de jogar na seleção. Em física, Dononzor; em química, Carmo, Etelvino; em biologia Maurício; em matemática, Remo, Zé Maria; em português, Carlos Vogt, Marisa Lajolo, Platão, Carlos Felipe; em história, Maranhão, Pedro Ivo, codinome de Joel Rufino dos Santos; em geografia, Sérgio Santo Rosa. A modéstia me impede de dizer quem era o cara em inglês...Brincadeira. A cobrona de inglês era a Stella, hoje professora da USP.
Pois bem, um dia o Reginaldo, professor de física, começou a espalhar entre os alunos que eu entendia de física.
- O Israel? Cês pensam que ele só sabe inglês? O cara é advogado, estudioso das leis jurídicas, e manja paca das leis da física.
Pausa para uma explicação. Abre parênteses: não me considero advogado. Sou formado em direito e só. Por amor à justiça, nunca advoguei. Fecha parênteses.
Alguns dias depois desse boato absurdo, eis que o Reginaldo interrompe uma aula minha, se posta na porta da sala com uma apostila de física aberta (as apostilas de física tinham capa azul; as de inglês, capa vermelha) e me faz uma pergunta sobre a Lei de Pascal. Eu, que já tinha sido instruído, dei a resposta, explicando à meia voz a questão. Ele agradeceu, fechou a porta e a aula seguiu. Silêncio total. Ninguém fez qualquer comentário.
Aí bateu o sinal. Eu e os alunos começamos a sair da sala. Era a última aula da noite. Um aluno que vinha atrás de mim me alcançou e se aproximou:
- Imagina o seguinte, fessor: um caixa de fósforos.
- Certo.
- Com uma molinha dentro.
- Uma o quê?
- Uma molinha, uma mola pequena.
- Ah tá.
- Entendeu? Aí você põe fogo na caixa.
- Certo.
- Pra onde vai a energia da mola?
Eu fiz uma cara de quem está pensando no problema.
- Rapaz, sabe que eu nunca tinha pensado nisso? (Era verdade.) Eu vou pesquisar e volto a falar com você. (Era mentira.)
Daquele dia em diante, parece que a frequência às minhas aulas aumentou. E o silêncio durante as aulas também.

Quanto ao rapaz da molinha, esse nunca mais veio falar comigo.

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