terça-feira, 21 de agosto de 2018

Águas de São Pedro


Águas de São Pedro
Dos 12 até 15-16 anos, minha mãe me levava todo ano para passar umas duas semanas no Hotel Avenida , em Águas de São Pedro. Ela adorava tomar aqueles banhos de água sulfurosa, de cheiro insuportável. Os banhos lhe faziam muito.
Além do mais, ali era um reduto de famílias judias, de modo que ela fazia novas amizades e voltávamos para São Paulo com ânimo novo, eu inclusive.
Uma noite, após o jantar, um bando de adolescentes saiu do Avenida para assistir a um filme no Grande Hotel, o único lugar onde havia um cinema. O filme era "Os Eternos Desconhecidos", de Mario Monicelli, de 1958. uma comédia hilariante aos filmes de assalto.  Na história, malandros pés de chinelo tentam assaltar o cofre de uma casa de penhores, entrando pelo apartamento ao lado. O bando é formado por um ex-boxeador, um ladrão aposentado cuja mulher cumpre pena, um fotógrafo trapalhão, um velhinho que só pensa em comer. O especialista em cofres é ninguém menos que Totò.
Ao descer a escadaria do hotel, a mãe de uma das meninas disse qualquer coisa para ela em yiddish. Eu, ingenuamente, perguntei à moça o que a mãe lhe havia dito.
- Ué, você não fala yiddish?
- Eu estudei um pouco, mas não cheguei a aprender.
- Seus pais não falam yiddish em casa?
- Meu pai morreu faz alguns anos.
- E você frequenta a sinagoga?
- Não, não entendo o que aqueles velhinhos fazem ali. E, pra ser sincero, acho tudo aquilo muito chato.
Bom, Esther continuou a me bombardear com mil perguntas, até qe veio a bomba:
- Quer dizer então que você não tem orgulho de ser judeu?
Por aquela eu não esperava. Nunca, nos meus 13 ou 14 anos, tinha pensado nisso.
Fiquei calado por uns segundos, sem saber o que responder, até que, num fiozinho de voz, soltei um tímido ‘não’.
A moça me deu uma bronca homérica – que eu era isso, que eu era aquilo – e se afastou de mim.
Eu então me aproximei da Ludmila, a moça mais velha do grupo. Acho que ela já tinha uns 18 anos e era universitária.
Contei-lhe o diálogo com a Esther. Disse-lhe que não conseguia ter orgulho de algo que eu não conquistara. O que eu fiz para nascer judeu, brasileiro ou palmeirense? Orgulho por quê?
- Não esquenta, não. Não sinta nem vergonha nem orgulho. São dois sentimentos negativos. Seja só você.
Grande Ludmila.


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