domingo, 20 de dezembro de 2015

O peru invisível




Imagine que alguém filme uma mesa preparada para a ceia de Natal: pratos, talheres, copos, taças, jarras, garrafas, guardanapos e o indefectível peru. A família se reúne, come, bebe, festeja, ri, conversa e a ceia chega ao fim.
No ano seguinte, a mesma cena. Um ano depois, idem. E assim por diante, ao longo de 90 anos.

Agora imagine esse filme passado em fast motion. Os noventa anos seriam reduzidos a mais ou menos trinta e cinco minutos. Esta é a ideia – brilhante – que teve Thornton Wilder ao escrever em 1931 The Long Christmas Dinner, uma peça de um ato que mostra desde o primeiro Natal dos Bayards em sua nova casa até o nonagésimo, quando a família, antes poderosa e influente, já está em seu declínio.

Numa carta escrita em 1960, Thornton Wilder comenta: “De todas as minhas peças, esta é a que despertou a maior variedade de reações. Em algumas apresentações, a plateia morreu de rir; em outras, as pessoas pareceram muito emocionadas; e houve até quem considerasse o texto cínico e cruel (‘O quê!? Os mortos são esquecidos assim tão rapidamente?’)”
Como os atores nascem, crescem, envelhecem e morrem no palco, diante da plateia, sem os efeitos especiais, que naquela época nem existiam? Para assistir à peça na íntegra, acessem o site http://www.britannica.com/biography/Thornton-Wilder/images-videos/This-1976-dramatization-of-Thornton-Wilders-one-act-play-The/128658

The Long Christmas Dinner é uma das favoritas de grupos amadores por vários motivos: o cenário é de uma pobreza franciscana: uma simples mesa longa coberta com uma toalha branca. Sete ou oito cadeiras. Pratos, talheres, copos, taças, jarras, garrafas, guardanapos, peru? Nada disso. Todos os gestos típicos de uma refeição são realizados por meio de mímica. Num canto do palco, um portal decorado com flores. No canto oposto, um outro portal, coberto por um pano preto. Vocês imaginam o que isso significa.

Eu mesmo montei esta peça no Porto Seguro décadas atrás. Para que a mesa não ficasse tão vazia, combinamos de fazer uma vaquinha para comprar um peru enorme que, depois da peça, foi doado aos funcionários da Portaria. O espírito de Natal, jingle bells, essas coisas.

Para terminar, um detalhe curioso: um aluno, torcedor do Santos, foi no domingo assistir a um Palmeiras e Santos no Pacaembu. Houve uma briga perto de onde ele estava e sobrou para ele: o rapaz acabou levando um soco no nariz. Na segunda feira, o menino (perdão, esqueci seu nome, garoto) apareceu com a cara amassada, um curativo no nariz e a voz fanhosa. A peça estrearia na quarta-feira, não havia tempo suficiente para treinar um understudy, um substituto. Aí eu mesmo entrei em cena. Saiu uma droga, mas eu achei legal.
Em tempo: o Palmeiras ganhou de 4 a 1.


Thornton Wilder (1897-1975)

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