quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

ALEMANHA (AINDA)

Esta me foi contada por Frau Herder*.
Frau Müller* é uma simpática velhinha que, viúva, mora sozinha num apartamento em Marienburg. Seus dois filhos há muito se mudaram da cidade.
Toda sexta-feira, Herr Straube*, o padeiro, leva dez pãezinhos especiais de que Frau Müller tanto gosta.
Numa certa sexta-feira, por volta das cinco da tarde, Herr Straube, como sempre, estacionou sua van na porta do prédio e tocou o interfone para avisar que tinha chegado. Depois de vários minutos a velhinha, que mora no segundo andar, desceu até a calçada com uma nota de cem euros.
“A senhora não tem mais trocado? ele disse. “Eu não tenho...”
“Um momento, eu vou ver.” E lá se foi Frau Müller de volta para o prédio, que não tem elevador.
O padeiro, sabendo que Frau Müller iria demorar um século para voltar, entrou na van e avançou alguns metros para entregar o pão para a próxima freguesa.
Nisso apareceu a velhinha com uma bolsinha de moedas na mão. Vendo que a van não estava mais estacionada na frente do prédio, achou que o padeiro tinha ido embora. E resolveu ela própria ir até o supermercado, que fica a algumas quadras dali, para comprar alguns Brötchen comuns.
Aí o padeiro deu ré e voltou ao prédio e espera, que espera, e nada da Frau Müller voltar. Preocupado, ele interfonou para uma vizinha.
“Eu estou esperando Frau Müller há 22 minutos. Ela está demorando muito. A senhora pode ver se está tudo bem com ela?”
“Vou ver. Péra aí.”
Dali a instantes ela liga o interfone de novo.
“Estou tocando a campainha, mas ninguém atende. O apartamento está em completo silêncio.”
“E agora? A senhora não tem a chave da porta dela?”
“Não. Será que aconteceu alguma coisa?”
“Eu acho melhor chamar a polícia.”
“Espere. Eu vou telefonar para Frau Herder*. Ela morou aqui durante vários anos e era muito amiga da Frau Müller. Talvez ela ainda tenha uma chave extra.”
Frau Herder não tinha uma chave extra, e achou melhor ir até lá para ver se podia, de alguma forma, ajudar. Já que não podia, não houve outro jeito senão chamar a polícia.
Em minutos apareceram três carros de polícia e o corpo de bombeiros, fechando totalmente o trânsito na rua.
Dois bombeiros resolveram subir até o segundo andar e entrar no apartamento pela janela. Impossível. Conhece janela alemã? Vidro duplo, esquadrias de aço temperado, do tipo usado em tanques de guerra – mais difícil de abrir que saquinho de nachos.
Os bombeiros decidiram então arrebentar o vidro. Se a velha estivesse desfalecida perto da janela, ela certamente iria se ferir com os estilhaços. Paciência.
Mas felizmente ela não estava lá.
“Ué, que negócio é esse?” 
Nisso dobra a esquina a velhinha carregando um saco de pãezinhos. Ao dar de cara com aquele movimento todo, assustou-se.
Mein Gott!” ela exclamou. “O que será que aconteceu?”
Quando o padeiro viu a velhinha ficou furioso.
“Onde diabo a senhora se meteu, Frau Müller?”
“Eu fui comprar pão!”
“Mas como, se sou eu que forneço pão para a senhora há anos?”
“Mas eu não vi sua van aqui e pensei que o senhor tinha ido embora.”
“Eu só adiantei a van até a vizinha do 31 enquanto esperava a senhora! Ach! E agora, o que eu faço com os pães?”
“Mas eu já comprei!”
“Pode deixar,” disse Frau Herder. “Eu compro os pães.” Doze euros.
Aí um bombeiro se aproximou para dar a má notícia.
Frau Herder não desgrudava da velhinha, caso ela desmaiasse.
“Fique calma, Frau Müller, os bombeiros precisaram entrar pela janela e danificaram um pouco os vidros...”
A velha tremeu e disse, resoluta:
“Quero ver.”
Subiram Frau Herder, dois bombeiros e um policial. Ao ver o estrago, Frau Müller quase teve um treco. Apoiou-se na cristaleira e começou a suar.
“A senhora está bem, Frau Müller?” perguntou Frau Herder. “Se precisar, a gente leva a senhora para um hospital.”
“Estou bem, danke. Como eu vou dormir sem janela, nesse frio?” ela perguntou, num fio de voz.
“Não se preocupe, minha senhora.” disse um dos bombeiros. “Nós vamos providenciar uns tapumes até amanhã, e aí a senhora providencia o conserto.”
“E quem vai pagar o concerto?” o tom de voz subiu um pouco.
“Bem, nós é que não vamos pagar, minha senhora. Afinal, a gente foi chamado aqui e só entramos para salvar a senhora.”
“Mas eu só fui ao mercado!”
“Pois é, mas...”
“Agora eu acho que preciso ir para o hospital.”
Em tempo, Frau Herder é minha filha e mora na Alemanha há uns quinze anos.
*Nomes fictícios.




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