quarta-feira, 17 de setembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA

DE COMO QUEBREI A TAMPA DO FILTRO
Pode parecer esnobismo, mas até os sete anos de idade eu nunca tinha visto uma moringa ou um filtro de barro. A gente lá em casa só tomava água mineral Pilar, com gás. Era uma garrafa comprida, verde, que meu pai comprava de dúzia e guardava num engradado debaixo da pia.
Nós não éramos ricos. Morávamos em casa própria, é verdade, e meu pai tinha um carro. Um Dodge 37. Antes ele tinha tido uma charrete, mas eu não conheci essa charrete. Eu nasci bem depois dos meus irmãos. Então esses eram os bens da família: uma casa com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, mais um quartinho de empregada e um banheirinho nos fundos. Na frente dois pequenos jardins, separados por uma escada que dava na varanda. Na parede, um quadro de madeira, pintado à mão: ‘Saudades de Águas de São Pedro’.
Sim, tínhamos empregada. A mais antiga de que me lembro é a Olga, que me dava banho e me levava de cavalinho, embrulhado numa toalha, do banheiro para o quarto. Depois veio a Dona Antônia. Só me lembro de quando ela não mais trabalhava em casa e vinha de tempos em tempos fazer uma visita à minha mãe. Ela sempre trazia um punhado de balas para mim. Era bem velha e mancava de uma perna. Me intrigava uma pinta escura que ela tinha no queixo. Depois veio a Tinha. Era tão baixinha, quase do meu tamanho, eu já com uns oito ou nove anos de idade. Ela me contava histórias de medo lá do Nordeste.
Houve também a...Não vou dizer o nome dela. Mas ela era tão feia, tão feia, que quando ela contou para minha mãe que estava grávida, meu irmão disse que o pai era um cachorro. Só podia ser.
Então era isso. Uma casa, um automóvel e uma empregada. E, ia me esquecendo, um telefone. 80-27-65. Foi a segunda casa da rua a ter um telefone. A primeira foi a do médico, Dr. Lazzarini, que cuidou da minha testa quando eu caí e bati a cabeça na guia da calçada. Até hoje eu tenho a cicatriz, que agora se confunde com as rugas.
Pois bem. A escola comprou um filtro e instalou-o no banheiro dos alunos. Até então a gente tomava água na torneira do jardim. Aquela coisa enorme para o meu tamanho, cor de tijolo, estacionada atrás da porta, chegava a intimidar. Eu não conhecia aquilo. Da primeira vez que vi o filtro fiquei encantado. Abri com cuidado a torneirinha e tomei meu primeiro copo d’água filtrada! Sen-sa-cio-nal!
Mas como era por dentro? Fiquei na ponta dos pés e ergui a tampa. Havia uma coisa branca dentro. O que era aquilo? Parecia um...plaft! Me desequilibrei e a tampa partiu-se em dois.
Apavorado, não sabia o que fazer. Esperei um pouco para ver se alguém tinha ouvido o barulho lá fora. Catei os dois pedaços e cobri o filtro novamente. De onde eu estava, não parecia quebrado. Claro. Eu era mais baixo que o filtro. Olhando de baixo para cima, o disgramado continuava em posição de sentido, guardando o banheiro como uma sentinela.

Abri a porta devagarinho, espiei no corredor e, não vendo ninguém por perto, corri para o pátio. Ninguém reclamou da tampa quebrada, nem naquele dia, nem nos seguintes, mas eu, por via das dúvidas, continuei tomando água na torneira do jardim.

Um comentário:

  1. Minha nossa! Você me fez lembrar que eu também, quando tinha uns cinco ou seis anos, quebrei não apenas a tampa, mas o filtro todo de um amiguinho, vizinho meu! Na minha curiosidade (também nunca tinha visto um filtro de barro) não sei como fiz a coisa toda se espatifar na cozinha do meu amigo. A minha reação foi sair correndo para casa... Só voltei lá (sim, eu voltei...) uma semana depois...

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