segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA

9. DE COMO EU PODIA TER VIRADO UM HERÓI

Em 68 eu, aluno de Letras na USP, dava aula no Equipe, 

cursinho formado por ex-professores do Cursinho do Grêmio

 da Universidade. Na tarde do dia 3 de outubro, alguém – 

não lembro quem -  abriu a porta da sala em que eu estava 

dando aula e gritou, esbaforido:

- Tá havendo uma guerra na Maria Antônia. Precisamos ir lá 

defender a Faculdade.

Maria Antônia é o nome da rua em que funcionava a 

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Hoje é o 

Centro Universitário Maria Antônia. No lado oposto da rua, 

bem em frente ao prédio, existia – e ainda existe – o 

Mackenzie, uma universidade particular.

Na USP quase todo mundo era, ou se dizia, de esquerda. No

 Mackenzie, muita gente era, ou se dizia, de direita. A rua

 era estreita, o pessoal era esquentado e o regime era militar.

De repente, o pau começou a comer. Coquetéis molotov, 

pedras, paus, bombas, o diabo...Conclusão: o prédio da 

Faculdade foi destruído por um incêndio e um rapaz de 20 

anos, que nem era universitário, acabou morto por uma bala perdida.

Eu fui ao velório dele no dia seguinte. Não sei bem por quê: 

não o conhecia e nem era tão politizado na época. Aliás, até hoje não sou.

Bom, eu estava no meio de uma aula. O que fazer? Largar

 tudo e sair correndo para a Maria Antônia? Convidar os 

alunos para me seguir e entrar no quebra-quebra? Bater, apanhar, morrer? Não fazer nada?

Optei por não fazer nada. Segui minha aula mais ou menos 

normalmente. Se tivesse ido, desastrado como sou, era 

capaz de levar uns sopapos ou, quem sabe, coisa pior.

Depois disso, fomos transferidos atabalhoadamente para um

 prédio da USP na Cidade Universitária e foi lá que 

terminamos aos trancos e barrancos o ano letivo de 1968.


Na internet, esse episódio é chamado de Batalha da Maria 

Antônia. Sinceramente, nunca ouvi ninguém se referir a ele 

desse jeito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário