TEMPOS DE ESCOLA
DE COMO MEU IBOPE
SUBIU
Durante alguns
anos eu dei aula no Equipe. O Cursinho Equipe nasceu em 1968, quando todo o
pessoal do Cursinho do Grêmio, por questões políticas que eu nem sei explicar
direito, resolveu sair e fundar um novo curso preparatório aos vestibulares da
USP.
Era um curso
inovador, cheio de ideias pra lá de avançadas que realmente o tornavam
diferente dos concorrentes. A Abril Vestibular, a primeira coleção de revistas
com material didático vendido em banca de jornal, foi escrito por nós, com base
em nossas apostilas em estilo de instrução programada. Coisa fina. O
Departamento Cultural, que nenhum outro cursinho possuía, promovia shows no
teatro da Escola. Era dirigido pelo Serginho Groisman. É mole? Nós tínhamos um
palco! Lembro-me que Gilberto Gil deu uma canja lá. Lembro também de uma peça
do teatro do absurdo de Ionesco, ‘A Cantora Careca’, que ninguém na plateia entendeu
mas todo mundo aplaudiu freneticamente. Nessa época ainda não era moda gritar
‘uhu!’ feito um chimpanzé americano.
Havia também
sessões de cinema para os alunos. Um dos filmes exibidos foi ‘O Gabinete do
Doutor Caligari, um filme mudo em branco e preto, representante do cinema
expressionista alemão do séc. XX. Diante de uma cena particularmente forte,
ouviu-se no meio dos alunos um comentário: “Expressionante, não?” Todo mundo riu.
A grande
diferença, contudo, do nosso cursinho era a qualidade dos professores. Em cada
matéria havia pelo menos um cara fora de série, craque mesmo, desses de jogar
na seleção. Em física, Dononzor; em química, Carmo, Etelvino; em biologia
Maurício; em matemática, Remo, Zé Maria; em português, Carlos Vogt, Marisa
Lajolo, Platão, Carlos Felipe; em história, Maranhão, Pedro Ivo, codinome de
Joel Rufino dos Santos; em geografia, Sérgio Santo Rosa. A modéstia me impede
de dizer quem era o cara em inglês...Brincadeira. A cobrona de inglês era a
Stella, hoje professora da USP.
Pois bem, um dia o
Reginaldo, professor de física, começou a espalhar entre os alunos que eu
entendia de física.
- O Israel? Cês
pensam que ele só sabe inglês? O cara é advogado, estudioso das leis jurídicas,
e manja paca das leis da física.
Pausa para uma
explicação. Abre parênteses: não me considero advogado. Sou formado em direito
e só. Por amor à justiça, nunca advoguei. Fecha parênteses.
Alguns dias depois
desse boato absurdo, eis que o Reginaldo interrompe uma aula minha, se posta na
porta da sala com uma apostila de física aberta (as apostilas de física tinham
capa azul; as de inglês, capa vermelha) e me faz uma pergunta sobre a Lei de
Pascal. Eu, que já tinha sido instruído, dei a resposta, explicando à meia voz
a questão. Ele agradeceu, fechou a porta e a aula seguiu. Silêncio total.
Ninguém fez qualquer comentário.
Aí bateu o sinal.
Eu e os alunos começamos a sair da sala. Era a última aula da noite. Um aluno que
vinha atrás de mim me alcançou e se aproximou:
- Imagina o
seguinte, fessor: um caixa de fósforos.
- Certo.
- Com uma molinha
dentro.
- Uma o quê?
- Uma molinha, uma
mola pequena.
- Ah tá.
- Entendeu? Aí
você põe fogo na caixa.
- Certo.
- Pra onde vai a
energia da mola?
Eu fiz uma cara de
quem está pensando no problema.
- Rapaz, sabe que
eu nunca tinha pensado nisso? (Era verdade.) Eu vou pesquisar e volto a falar
com você. (Era mentira.)
Daquele dia em
diante, parece que a frequência às minhas aulas aumentou. E o silêncio durante
as aulas também.
Quanto ao rapaz da
molinha, esse nunca mais veio falar comigo.