Tempos de escola
18. DE COMO
PUBLIQUEI MEU PRIMEIRO LIVRO
Numa manhã de
19...Esqueci o ano. Nessa manhã em questão, recebi no Colégio a visita de uma
representante da McGraw-Hill, uma importante editora americana. Eles tinham em
mente um projeto inovador: uma coleção de livros destinados a um público
infanto-juvenil, escritos por autores brasileiros consagrados, e vertidos para
o inglês. A representante veio me convidar para traduzir os tais livros. Eles
estavam dispostos a pagar x por lauda.
Levei uma maçaroca
de folhas para casa. Naquela época não havia internet. As coisas funcionavam na
base do papel e da máquina de escrever.
Depois do jantar, peguei
um ou dois dicionários, sentei-me à mesa da sala e marquei a hora. Eu queria
saber quanto tempo eu levaria para traduzir uma lauda do original. Deu mais ou
menos o tempo de uma aula no Colégio.
Não valia a pena.
Gastando o mesmo tempo, eu ganhava mais dando aula na escola.
- Não compensa,
Selda (este era o nome da representante, até hoje uma querida amiga minha). É
muito trabalho para pouco dinheiro. Mas por que vocês não contratam gente para
escrever direto em inglês? Assim, vocês pulariam uma fase e economizariam o
dinheiro da tradução.
- Sim, mas quem vai
escrever um livro em inglês para nós?
- Eu, por exemplo.
- Você? Você nunca
me disse que escrevia!
- Bom, eu nunca
escrevi, mas não custa tentar.
- Então tente.
Quando você estiver com o livro pronto, me mostre.
Quando o livrinho
ficou pronto, fui até a Editora. A Selda não estava. Tinha ido a uma reunião no
Rio de Janeiro. Enquanto esperava para ser atendido por sua secretária, fui dar
uma espiada na estante de livros da própria Editora. E aí tive uma surpresa.
Uma surpresa com gostinho de vingança. Entre os vários livros publicados, havia
um, de autoria de uma professora minha da USP. Fui aluno dela no curso de Fonética.
Nesse curso, a gente se concentra principalmente no alfabeto fonético, que é um
sistema de símbolos que reproduz os sons do idioma falado. Por exemplo, o
símbolo fonético para o som do th em thank you é θ, e para o th em that é δ. Os bons dicionários trazem sempre a fonética de cada verbete.
Acontece que existem
vários tipos de sistemas de transcrição, sendo o mais famoso o Alfabeto
Fonético Internacional (IPA, na sigla em inglês). Pois bem, eu era o único
aluno da classe que havia estudado fonética, mas o sistema que eu conhecia era
um pouco diferente do da professora.
- Posso usar o “meu”
alfabeto nas provas?
- Pode, contanto que
você não misture os símbolos. Na verdade, o que ela respondeu foi: “contanto
que você seja consistent. Eu entendi o recado.
Na primeira prova,
correu tudo bem. Tirei 8,5. Na segunda, a mulher ficou brava, me deu 2,0 e
disse não toleraria mais um alfabeto diferente do dela. Entendi o recado
também. Mas me mordi de raiva.
Quando vi o nome da
moça no livro (‘moça’ é um eufemismo, por que eu sou um cara educado), tirei-o
da estante para dar uma espiada e, para meu espanto, na capa, estampado com
letras garrafais, um erro imperdoável para uma mestra e doutora da USP: mistery, com i, em vez de mystery, com
y.
Quando a secretária
entrou na sala, eu lhe mostrei o erro. Ela ficou pálida.
- Não é possível!
Tem certeza?
- É só olhar o
dicionário. Mystery é com y.
Incrédula, ela
consultou o Oxford. Não satisfeita, foi ao Webster.
- O Oxford é inglês
britânico. Deixa ver o Webster, que é americano.
- Meu Deus! Já foram
impressos 3.000 livros! ela exclamou, pálida, depois de se certificar que
alguém tinha cochilado: ou a autora, ou o revisor, ou sei lá quem.
Bem, o que aconteceu
com o tal livro eu não sei. O que eu sei é que deixei os meus originais lá e
tempos depois foi publicado meu primeiro livrinho, A Boy in Danger. É a história de um garoto que sempre se mete em
encrenca porque ele nunca mente. Minha irmã dizia que esse menino era eu.
Coitada, se ela soubesse...