terça-feira, 22 de março de 2016

Zero!


O que sente um professor ao dar um zero para um aluno? Ainda se faz isso hoje em dia? Tenho a vaga impressão de que esse professor possivelmente será chamado à Diretoria para se explicar e provavelmente terá de voltar atrás e atribuir alguma nota ‘razoável’ para o tal aluno, correndo inclusive o risco de ser demitido no fim do ano.

Antigamente, o zero era distribuído de maneira muito mais, digamos, liberal ou magnânima. Nós, alunos, podíamos levar um zero, não diria por qualquer motivo, mas pelo menos por uma dezena de motivos. Por exemplo, um professor de latim daria zero ao aluno que pronunciasse errado uma palavra. Coitado de quem dissesse em plena aula ‘popúlus’, com a tônica na sílaba do meio, e não ‘pópulus’, como proparoxítona. E olha que em latim não existe acento! Esse levíssimo deslize bastava para a nota da sabatina, que é como chamávamos a prova mensal, fosse dividida por dois. Dessa forma, um 5,0 virava 2,5; um 8,0 virava 4,0 e assim por diante.

Um professor de português daria sem hesitação zero para quem escrevesse ‘excessão’ com ss, em vez de ‘exceção’, com ç, ignorando tudo o mais de correto que o aluno pudesse ter escrito em sua redação.

Eu mesmo tirava pontos de quem esquecia o ‘s’ da 3ª pessoa do singular na afirmativa do Simple Present. Quem escrevesse coisas como “she know what she’s doing”, “Jack never take a bus to school” tinha sua nota diminuída. Certa vez, numa reunião de Pais e Mestres, uma mãe me perguntou se aquele bendito ‘s’ era tão importante assim. “Minha senhora,” respondi, “aquele ‘s’ é responsável por metade do meu salário. Eu passo metade da minha vida ensinando que he, she e it exigem  -s no verbo no presente. Os alunos têm de respeitar isso.”

Quanto a mim, como professor, meu zero – acho – doía mais em mim do que no aluno.

A primeira situação, digna de punição com um redondo zero era a cola. A cola é inevitável, eu sei. Já diziam as Trovas da Faculdade de Direito do Largo da São Francisco:
Escola sem cola não é escola 
escola sem cola não há 
se tiram a cola da escola 
ninguém consegue passar!

Mas a cola me ofendia. E digo por quê. No 4º ano da Faculdade, nós iríamos fazer um exame numa 2ª feira. Era domingo e eu e um amigo estávamos estudando com extrema má vontade. De repente, nós dois tivemos o mesmo pensamento: “Quer saber, esse professor é tão besta que não merece que a gente perca este domingo ensolarado estudando. Vamos usar o tempo de forma mais útil. Vamos fazer cola!” Até hoje meu velho Código Civil está recheado de resumos de assuntos que iriam cair no exame. Havia até um índice! A cola me tornava um ‘professor besta’. Eu não merecia isso – acho.


A segunda situação era a ignorância, o desconhecimento total da matéria ensinada, a confissão sem vergonha de quem não tinha aprendido nada. Isso não me irritava, mas me entristecia. Então eu dava por semana duas, três, às vezes quatro aulas para aquela classe, fazia o melhor que podia para ensinar alguma coisa e no dia da prova, o desleixado ou deixava as respostas em branco ou só escrevia asneiras. Era triste. Eu me sentia derrotado. Em outras palavras, de alguma forma, aquele zero era para mim também.

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