O que sente um professor ao
dar um zero para um aluno? Ainda se faz isso hoje em dia? Tenho a vaga
impressão de que esse professor possivelmente será chamado à Diretoria para se
explicar e provavelmente terá de voltar atrás e atribuir alguma nota ‘razoável’
para o tal aluno, correndo inclusive o risco de ser demitido no fim do ano.
Antigamente, o zero era
distribuído de maneira muito mais, digamos, liberal ou magnânima. Nós, alunos,
podíamos levar um zero, não diria por qualquer motivo, mas pelo menos por uma dezena de
motivos. Por exemplo, um professor de latim daria zero ao aluno que
pronunciasse errado uma palavra. Coitado de quem dissesse em plena aula ‘popúlus’, com a
tônica na sílaba do meio, e não ‘pópulus’, como proparoxítona. E olha que em
latim não existe acento! Esse levíssimo deslize bastava para a nota da
sabatina, que é como chamávamos a prova mensal, fosse dividida por dois. Dessa
forma, um 5,0 virava 2,5; um 8,0 virava 4,0 e assim por diante.
Um professor de português
daria sem hesitação zero para quem escrevesse ‘excessão’ com ss, em vez de ‘exceção’,
com ç, ignorando tudo o mais de correto que o aluno pudesse ter escrito em sua
redação.
Eu mesmo tirava pontos de quem
esquecia o ‘s’ da 3ª pessoa do singular na afirmativa do Simple Present. Quem
escrevesse coisas como “she know what
she’s doing”, “Jack never take a bus
to school” tinha sua nota diminuída. Certa vez, numa reunião de Pais e Mestres,
uma mãe me perguntou se aquele bendito ‘s’ era tão importante assim. “Minha
senhora,” respondi, “aquele ‘s’ é responsável por metade do meu salário. Eu
passo metade da minha vida ensinando que he, she e it exigem -s no verbo no presente. Os alunos têm de
respeitar isso.”
Quanto a mim, como professor,
meu zero – acho – doía mais em mim do que no aluno.
A primeira situação, digna de
punição com um redondo zero era a cola. A cola é inevitável, eu sei. Já diziam
as Trovas da Faculdade de Direito do Largo da São Francisco:
Escola sem cola não é escola
escola sem cola não há
se tiram
a cola da escola
ninguém
consegue passar!
Mas a cola me
ofendia. E digo por quê. No 4º ano da Faculdade, nós iríamos fazer um exame
numa 2ª feira. Era domingo e eu e um amigo estávamos estudando com extrema má
vontade. De repente, nós dois tivemos o mesmo pensamento: “Quer saber, esse
professor é tão besta que não merece que a gente perca este domingo ensolarado estudando.
Vamos usar o tempo de forma mais útil. Vamos fazer cola!” Até hoje meu velho
Código Civil está recheado de resumos de assuntos que iriam cair no exame. Havia
até um índice! A cola me tornava um ‘professor besta’. Eu não merecia isso –
acho.
A segunda
situação era a ignorância, o desconhecimento total da matéria ensinada, a
confissão sem vergonha de quem não tinha aprendido nada. Isso não me irritava,
mas me entristecia. Então eu dava por semana duas, três, às vezes quatro aulas para
aquela classe, fazia o melhor que podia para ensinar alguma coisa e no dia da
prova, o desleixado ou deixava as respostas em branco ou só escrevia asneiras. Era
triste. Eu me sentia derrotado. Em outras palavras, de alguma forma, aquele
zero era para mim também.