segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A corrupção, essa incompreendida


Examinem estas três definições de capitalismo.
Capitalism is an economic system characterized by private or corporate ownership of capital goods, by investments that are determined by private decision, and by prices, production, and the distribution of goods that are determined mainly by competition in a free market (Merriam-Webster)

It is an economic system based (to a varying degree) on private ownership of the factors of production (capital, land, and labor) employed in generation of profits. It is the oldest and most common of all economic systems and, in general, is synonymous with free market system. (Business Dictionary)

It is the social system which now exists in most countries of the world. Under this system, the means for producing and distributing goods (the land, factories, technology, transport system etc) are owned by a small minority of people. We refer to this group of people as the capitalist class. The majority of people must sell their ability to work in return for a wage or salary (who we refer to as the working class.) (World Socialist Movement)

Por mais sucintas, objetivas ou impessoais que tais definições  sejam (e nem todas o são), falta-lhes o elemento essencial, a mola propulsora do desenvolvimento econômico: a corrupção.
Parece (mas só parece) que todos são contra a corrupção. “Abaixo a corrupção!” “Morte aos corruptos e corruptores!”
Ingênuos! Tolinhos! A corrupção é necessária. Não se progride sem ela. Ao empresário não interessa apenas ter o lucro justo (Marx franziria o cenho ao ouvir este sacrilégio). Se não houver um extra, um suborno, uma propina, uma nota fria, um ‘por fora’, um caixa 2, um pixuleco – para que investir? É absolutamente imprescindível que o lucro seja exagerado, desmesurado, inacreditável, trilionário. Se não, não vale a pena.
Há que se procurar os materiais mais baratos para a construção de qualquer obra. Isso aumenta o lucro. É bem verdade que às vezes um edifício vem abaixo, um viaduto desaba, uma barragem se rompe. Shit happens, paciência.
Há que se superfaturar tudo, da mão de obra à qualificação necessária para realizar a obra. Isso dobra, triplica, quintuplica o lucro! E daí? Daí que a obra fica pronta e pode ser inaugurada com fita verde-amarela e foguetório.
Às vezes, acontece de a obra não ficar pronta nunca. É chato. Eu diria, é quase constrangedor. Mas na verdade o que vale é a intenção, certo?
Há que se disfarçar os trambiques, as maracutaias, as tenebrosas transações, usando para isso lavagem de dinheiro, offshores, trusts, contas secretas, dinheiro em cueca, pessoas jurídicas fantasmagóricas  e laranjas ou outras frutas cítricas. Caso contrário, parte do lucro se perde nas investigações.
Tudo, menos isso, pelo amor de Deus!


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O bom professor



Na Folha de hoje (19/9/16), Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras, publica um texto com o título ‘O bom professor’. Vou também discorrer sobre esse tema, apelando para a minha cada vez mais fraca memória. São duas coisas:

Primeira coisa: Rilke. Rainer Maria Rilke escreveu uma pequena obra prima chamada ‘Cartas a um jovem poeta’. Um rapaz, pretendendo tornar-se escritor, pede conselhos a Rilke. São cinco cartas, que muito me impressionaram quando as li pela primeira vez. De todas elas, recordo-me de uma frase que diz mais ou menos o seguinte: pergunte a si mesmo se você conseguiria ser qualquer outra coisa na vida que não escritor. Se você responder ‘não’, então siga em frente. Na verdade, o que ele textualmente escreveu (encontrei na internet) é o seguinte:

"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade.

Então é isso: se o camarada se torna professor só porque levou pau no vestibular de direito, medicina, engenharia ou qualquer outra profissão, esse não é um professor de verdade.


Segunda coisa: sala dos professores. Quando bate o sinal do intervalo, a sala dos professores se enche de mestres com uma expressão um tanto difícil de caracterizar: um misto assim de alívio e irritação. Eles se juntam em torno da mesa do cafezinho e, com a xícara não mão, se atiram no seu sofá habitual (os mais velhos têm poltronas cativas). Acendem um cigarro – os que ainda fumam – e passam o intervalo inteiro falando mal de um ou outro aluno, de uma ou outra classe, ou às vezes de todos os alunos, dependendo do dia. Reclamam do calor, da dor nos pés, do salário - enfim, de tudo. Quando o intervalo acaba, levantam-se com um ar resignado e partem para as próximas aulas do dia.


Mas quando entram na sala de aula, encaram a turma indócil, respiram fundo e dão o melhor de si durante aqueles 45 ou 50 minutos. Nenhum aluno, por mais perspicaz que seja, imaginará que aquele sujeito estava quase maldizendo sua profissão alguns minutos antes. Esse é o verdadeiro professor. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Morrer é fácil. Todo mundo consegue.




Faleceu Domingos Montagner. Desnecessário dizer quem é ou dar detalhes do acidente que o levou à 
morte. 

Não vou fazer aqui um discurso fúnebre, louvando suas qualidades. Isso eu deixo para seus amigos e fãs. Eu não vejo novela e, para ser sincero, mal sabia de quem se tratava até ver seu rosto nos noticiários.

Quero, no entanto, aproveitar o triste ensejo para destacar que, por mais que tentemos afastar de nossas mentes a ideia da morte, o fato é que a palavra morte está presente num sem número de idioms, ainda que sem sua conotação lúgubre. Por exemplo:

1. Football is often a matter of life or death for many fans.
2.   Professor Hastings’ lecture seemed endless. I was bored to death.
3.   “It’s freezing outside, Pete. You will catch your death of cold!
4.   Nothing is as certain as death and taxes.
5.   “When I enjoy doing something I do it to death. That’s how I am,” he said.
6.   Since I was kidnapped I’ve been frightened to death this may happen again. 
7.   We’re all sick to death of Donald Trump's cynicism.
8.   The game ended by sudden death when Gabriel Jesus scored a fantastic goal from the halfway line.
9.   “One day you’ll be the death of me, you little brat!” Mrs. Evans said in exasperation to her son.
10.               Eduardo Cunha signed his own death warrant when he declared he had no money deposited abroad.



quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Os bleque bloquers




Quero deixar claro from the very beginning que não vou emitir nenhum juízo de valor sobre a atuação desses jovens que se intitulam black blocs. Cada um faz o que bem entende, e depois aguenta. Quer quebrar, quebra. Quer tacar fogo, taca. quer soltar rojão, solta. Não tenho nada com isso, contanto, of course, que não usem os pneus do meu carro para bloquear a Paulista ou a Consolação, nem joguem coquetel molotov no prédio onde moro.

Meu enfoque é outro.  Esses alegres rapazes e moças que cobrem o rosto com máscaras e chales, que carregam em suas mochilas, vinagre, socos ingleses, barras de ferro e outros inocentes apetrechos, não são – repito: não são - black blocs. Black bloc é o nome do movimento, ou, se quiserem, uma filosofia, cujo objetivo é desafiar, enfrentar e, enquanto a polícia não parte pro pau destruir o que eles chamam de símbolos do capitalismo. Por mim, tudo bem. Não sou um símbolo capitalista. No máximo, um esquerdista desencantado.

Mas, voltando ao ponto de partida, em nome da defesa da língua inglesa (com perdão da rima pobre), devo insistir que esses jovens encapuçados não são black blocs; eles são black blockers, ou black bloc members.

Como existe uma forte tendência de aportuguesar vocábulos estrangeiros, sugiro que eles passem a ser denominados bleque bloquers.

domingo, 11 de setembro de 2016

aviso

Crianças,
O Jelin que aparece na página 12 da Veja desta semana (14/09/2016) não sou eu. É o meu filho. . Modéstia à parte.
Abraços,
Jelin

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

"Não se aprende nada na escola"



Millôr: mais atual do que nunca
Millôr Fernandes, o imortal que não vestiu o fardão da Academia, chegou a escrever, ainda na década de 50, que era contra a escola. Pena que eu não consigo encontrar esse texto na internet, mas believe me, o homem escreveu isso mesmo. Para ele, não devia haver salas de aula, nem tampouco professores. Em vez de salas de aula, bibliotecas; em vez de professores, orientadores. Os alunos não teriam aula, aquela aula expositiva durante a qual eles tinham de se comportar sentadinhos, enquanto o professor fazia ou dizia o que sua autoridade lhe permitia.
Eles, uma vez que tivessem aprendido a ler, escrever e ‘fazer contas’, teriam a liberdade de pesquisar nos livros os assuntos que lhe interessassem. Notem que, nessa época, não existia o computador.
Summerhill

Na década de 1920, Alexander Sutherland Neill, um educador escocês, fundou Summerhill, uma escolinha no leste da Inglaterra, que existe até hoje. É a primeira escola verdadeiramente livre na história da educação, na qual os alunos e os professores decidem, em assembleias, e através do voto, o que eles querem estudar. Não só o quê, mas como e quando. É um internato. Eles vivem e estudam lá. Não há divisão de alunos por faixa etária. É tudo junto e misturado. Os professores não dão aula, a menos que a maioria decida em contrário. No mais das vezes, os mestres se limitam a orientar a curiosidade da meninada.
Indagado certa vez se Summerhill já havia produzido alguma figura de destaque no Reino Unido, A.S. Neill respondeu mais ou menos o seguinte: “Não, minha escola de maneira geral não forma médicos, engenheiros, advogados, muito menos políticos. Meus ex-alunos são hoje mecânicos, eletricistas, marceneiros...” E, depois de uma pausa, completou: “mas todos felizes.” Isso também aconteceu antes da internet.
Escola da Ponte
O Professor José Pacheco fundou em Portugal a Escola da Ponte, que em muito se assemelha a Summerhill. Numa entrevista publicada na Folha de São Paulo em 6/9/16, ele faz afirmações contundentes, das quais transcrevo algumas:
1.   “Não se aprende nada numa aula. Quando digo isso, há professores que se levantam indignados e dizem que aprenderam tudo na aula.”
2.   “A escola que está aí, igual à do século XIX, só produz ignorância e infelicidade.”
3.   ‘Será que um médico trabalha com os recursos e com as fundações teóricas do século XIX? Não. O professor trabalha.”
4.   “As novas tecnologias são incontornáveis. Nós as autorizamos ao limite: a criança trabalha com o celular, o iPhone, o laptop, tudo. Desde que haja acesso à informação, vamos lá.”
Tudo muito bom, tudo muito bem. Todavia, gostaria, data venia, de fazer algumas observações. O século XX, que acabou agorinha, produziu gênios do quilate de Bill Gates, Steve Jobs, Alan Touring (computador), Carlos Drummond de Andrade, Gabriel García Márquez, Wilkins, Crick e Watson, Salvador Dali, the Beatles, Oscar Niemeyer, Charles Chaplin, entre muitos outros. Todos eles estudaram em escolas caretas, quadradas, chatas.

Para encerrar: eu, que sou um produto do século passado, também estudei em escolas assim e fui um professor assim. Será muito deprimente chegar ao fim da vida, constatando que eu não ensinei nada, meus alunos não aprenderam nada e, portanto, não me devem nada. 

domingo, 4 de setembro de 2016

Canalha!



 “Canalha! Canalha! Canalha!” Foi assim que o senador Requião, há dias, exprimiu seus sentimentos em relação ao processo de impeachment, reproduzindo o que Tancredo Neves, em 1964, disse a Auro de Moura Andrade, então presidente do Senado, ao declarar “vaga a presidência da República.”

Ora, se Requião estivesse discursando em inglês, que palavras ele poderia ter usado? Knave? Scoundrel? Motherfucker? São palavras fortes, cruéis, concordo, mas para ofender mesmo, para arrasar a moral de um inimigo, nada supera estes impropérios, extraídos de King Lear, de Shakespeare, of course:


Rei Lear

Kent, o leal escudeiro do Rei, assim se dirige a Oswald, um pilantra sem escrúlos:
“A knave, a rascal, an eater of broken meats; a base, proud, shallow, beggarly, three-suited, hundred-pound, filthy, worsted-stocking knave; a lily-livered, actiontaking knave; a whoreson, glass-gazing, superserviceable finical rogue; one-trunk-inheriting slave; one that wouldst be a bawd in way of good service; and art nothing but the composition of a knave, beggar, coward, pander, and the son and heir of a mongrel bitch; one whom I will beat into clamorous whining if thou deniest the least syllable of thy addition. KENT You’re a lowlife, a rascal who eats leftover scraps. You’re an ignoble, arrogant, shallow, vulgar, pretentious, conceited, filthy third-rate servant who thinks he’s something special. You’re a cowardly lawyer-loving bastard; a vain, brown-nosing, prissy scoundrel who’d pimp himself out to advance his career; a bag lady. You’re nothing but a lowlife, a beggar, a coward, and a pimp, the son and heir of a mutt bitch. I’ll beat you until you whine and cry if you deny the least bit of this.”

Para facilitar a leitura, vou fornecer duas coisas:

a)   a adaptação do trecho para o inglês moderno (http://memberfiles.freewebs.com/23/04/36560423/podcast/Act%2002.PDF):

"You’re a lowlife, a rascal who eats leftover scraps. You’re an ignoble, arrogant, shallow, vulgar, pretentious, conceited, filthy third-rate servant who thinks he’s something special. You’re a cowardly lawyer-loving bastard; a vain, brown-nosing, prissy scoundrel who’d pimp himself out to advance his career; a bag lady. You’re nothing but a lowlife, a beggar, a coward, and a pimp, the son and heir of a mutt bitch. I’ll beat you until you whine and cry if you deny the least bit of this."

b)   a tradução do texto (http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/lear.html#lr22):

Um biltre, um canalha, devorador de restos; um biltre ignóbil, atrevido, oco, indigente, de três librés, massabruta, imundo, de meias estragadas; um biltre com fígado de lírio, um chicanista; nascido na sarjeta, namorador do espelho, espinha mole, petimetre; um lacaio que só herdou uma roupa, um tipo que servirá de alcoviteiro, à guisa de bons serviços, mas que não passa de um misto de velhaco, mendigo, covarde, alcoviteiro e herdeiro de uma cadela bastarda; um tipo em que darei uma coça de arrancar rugidos, no caso de contestares a menor sílaba de todos estes teus títulos honoríficos.”


Oswald, interpretado por Marty Feldman e seus olhos esbugalhados

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

“Explications”


1.   Impeachment
“Appearances are deceptive,” is an old saying, meaning “outward show may mislead one as to the true nature of something”, or, put it in a simpler way, people and things not always are what they seem to be. Impeachment, for example. A less attentive person might perhaps wonder what the hell peach, that delicious fruit, has to do with the formal statement according to which a president is guilty of a serious offense in connection with his or her job, and therefore should be thrown out of office. No, impeachment has nothing to do with peach. Impeachment, once again, comes from the Latin verb impedicare, which means ‘to trap’ or ‘to fetter’. So let's leave peaches out of that mess.

2.   To defenestrate

Defenestrate means ‘to throw someone out of a window.’ Why ‘window’? Because it comes from the Latin verb defenestrare, which, in turn, derives from fenestra, that is, window. It seems that in ancient Rome it was so common to have people thrown out of windows, that it was necessary to create a verb to describe such a cruel custom. Fortunately, most buildings then were not very tall.
As time went by (I love this phrase), defenestrare went through an etymological change, and today nobody thinks of a window when using that verb. For instance: “So it goes with Acting President Michel Temer and Jucá, who it seems conspired to defenestrate Rousseff as a way to avoid scrutiny of their own past conniving.” (http://eaworldview.com/2016/06/brazil-analysis-coup-against-president-rousseff/)

3.   Coup
Unlike the two previous items, the word coup, as far as I know, does not come from Latin. Coup (the correct pronunciation is /ku:/, that is, the final p should be silent) sounds very much like a popular Brazilian swear word. But, as usual, I digress. That politically powerful word comes from French: coup d’État /ku: d@ta/, “a sudden decisive exercise of force in politics; especially :  the violent overthrow or alteration of an existing government by a small group” (Merriam-Webster). Example:
Speaking to her supporters from the presidential palace after the vote, Rousseff pledged to appeal her impeachment, which she called a parliamentary coup.” (The Guardian, Sept.1, 2016)