segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Sérgio Oliveira


Sérgio Oliveira
O Sérgio estava um ano à minha frente na São Francisco. Preto, franzino, óculos de fundo de garrafa, filho de um dos bedéis da Faculdade. O que, porém, chamava a atenção era a roupa que usava, um conjunto tipo safári, semelhante ao slack que o Jânio também usava.
Resolvemos viajar para Buenos Aires. O plano inicial era ir com mais duas colegas e ficarmos hospedados na casa do tio de uma delas. Quando, no entanto, ele soube que um dos rapazes era negro, ele disse que não poderia hospedar-nos.
As meninas, claro, desistiram da viagem, mas eu e o Sérgio decidimos ir.
Aconteceu de tudo na viagem. Fomos de ônibus até Porto Alegre (foi nessa viagem que virei fumante), dormimos na Casa do Estudante, demos pindura em restaurante, passamos a tarde num hotel, não pagamos a conta e à noite fomos de avião para Buenos Aires. Lá fomos acolhidos pelos estudantes da Faculdade de Direito, com quem fizemos uma grande amizade, especialmente Horácio e Rubén.
Aí resolvemos ir de trem para Mendoza, que fica na pré-cordilheira e, de lá, viajar de carona até San Martin de los Andes, na divisa entre Argentina e Chile. Por falta de documentos, não pudemos entrar no Chile.
Nesse longo caminho (mais de 1000 quilômetros entre BA e Mendoza, dormimos à beira da estrada, pero de um milharal, na cadeia, no corpo de bombeiros e até num acampamento indígena num povoado chamado Las Cuevas. Falamos horas sobre futebol, eles jurando de pés juntos que tinham “Mais de 50 Pelés, no solamente uno.”
Chegamos em BA na carroceria de um caminhão na Terça-feira de carnaval. Tomamos  um ônibus para Porto Alegre, comemos uva como janta (não tínhamos dinheiro sequer para um sanduíche) e finalmente chegamos a São Paulo – sujos, exaustos, famintos, mas realizados.
Não lembro de ter encontrado o Sérgio depois de nossa aventura.


domingo, 2 de setembro de 2018

Don Frost


Don Frost
Quando levei um grupo de alunos para fazer um curso de inglês na Inglaterra, fiquei hospedado com um casal de cerca de 60 anos. Na noite em que lhes mostrei uma foto da minha mãe, o Don exclamou:
- Mas é a cara da minha mãe! A partir daí, eles como me adotaram como filho, já que não tiveram ou não quiseram ter seus próprios filhos.
Na Segunda Guerra Mundial, o Don serviu na Marinha e tinha mil histórias para contar. “Quantas vezes você precisou dizer adeus, Don?” Aí ele não respondia.
O inglês dele era perfeito. Você até conseguia ouvir as vírgulas em sua fala, por assim dizer.
Na última vez em que fui visitá-lo, perguntei-lhe de cara como ele estava e a resposta veio fulminante:
- Rotten from head to foot (Podre da cabeça aos pés), que, aliás, é como me sinto agora.
Bem, ele faleceu alguns meses depois. Ao me despedir dele, achei que seus olhos estavam vermelhos. Mas não julguei que fosse por minha causa.
Numa carta, sua esposa Doris comunicou a sua morte. Em resposta, dei-lhe meus mais sinceros pêsames e convidei-a para o casamento da minha filha em Köln, na Alemanha. Ela aceitou o convite!
No ano seguinte, fui ao cemitério, sentei-me num banco embaixo de uma árvore e bati um longo papo com ele. A princípio em inglês, depois em português, pois agora ele podia qualquer língua.
A Doris não quis me acompanhar.