quinta-feira, 13 de novembro de 2014

TEMPOS DE ESCOLA

DE COMO OS ALUNOS MORRERAM DE VERGONHA

Durante uns dez ou doze anos eu tive a sorte e o privilégio de, no mês de julho, levar grupos de alunos para fazer um curso de férias na Inglaterra. Numa dessas vezes, logo no primeiro dia de aula, eu conduzi os meninos até a escola e antes que as aulas começassem, uma professora inglesa me apresentou, numa salinha atrás do banheiro, a outra professora. Era uma brasileira.
- Não pode, - disse eu. Como eu vou justificar para os pais desses alunos que eles pagaram uma viagem cara para os seus filhos estudarem inglês com uma professora brasileira? Para quê vir para cá, então? Além disso, os alunos vão perceber o sotaque.
- Acho que não, - disse a moça. Eu já estou aqui há onze anos, casei-me com um inglês e tenho dois filhos que nasceram aqui. Em casa a gente só fala inglês.
- Desculpe, Patrícia, mas dá para perceber um leve sotaque, que a gente nunca perde. Minha mãe morou no Brasil durante cinquenta anos e até o fim da vida falava maçá em vez de maçã. E tem mais: não me leve a mal, você não tem cara de inglesa. Seu cabelo é moreno, sua pele é...
- Como nós vamos fazer? – perguntou a inglesa. Não há outro professor disponível.
- Só se a gente disser que ela é, digamos, russa, ou búlgara. Isso explicaria o sotaque, o cabelo etc.
- Combinado.
Os alunos foram então avisados que teriam aulas com a Helen, inglesa de Bristol, e a ‘Olenka’, russa de São Petersburgo.
Aí as aulas começaram.
Acontece que os alunos não foram com a cara da russa. E começaram a fazer piadinhas com a professora.
- Olha a sandália dela. Em que feira será que ela comprou isso?
- Mas ela não lava o cabelo?
- Quem teria coragem de usar uma saia dessas? Que horror!
E a todos os insultos a ‘Olenka’ respondia com um sorriso, sem jamais se trair e tratando todo mundo da maneira mais educada possível.
Eu ainda tentava controlar a situação, dizendo aos alunos para não falar português em aula. Além de ser contraproducente, era uma falta de educação, pois as professoras não entendiam português. Mas qual o quê! Os meninos, principalmente as meninas, não davam trégua à pobre ‘Olenka’. As piadinhas continuavam as mesmas, mas as gargalhadas iam aumentando a cada dia.
Aí chegou o fim do curso. Eu programei – tal como fazia todo ano – uma festa de despedida. Fiz uma reserva para trinta e poucas pessoas numa pizzaria e lá fomos nós. No fim das pizzas, eu me levantei e fiz um pequeno discurso, agradecendo as professoras. Em seguida, a Helen também se levantou e deu os parabéns aos alunos pelo progresso que tinham feito nas aulas.
Chegou a vez da ‘Olenka’. Bem calmamente, ela começou a falar - em inglês, obviamente – agradecendo aos alunos pelo seu comportamento durante as aulas e pela participação nas atividades e, sem fazer nenhuma pausa, emendou o discurso falando em português fluente e terminando com:
- E olha aqui, gente, eu me chamo Patrícia, não Olenka.
Os alunos todos se voltaram para mim, apavorados.
- Você sabia? Você sabia?
Uma gordinha estava desesperada. Ela era uma das mais cruéis nos comentários.
- Sabia, respondi com um sorriso sádico.
- Pô, professor, sacanagem.
- Lembra quantas vezes eu disse para vocês não falarem português em aula?
Aí aos poucos os alunos lentamente foram se levantando e formando uma fila diante da Patrícia. Todos pedindo desculpas, “não leve a mal, ein, fessora”, “foi sem querer, Olenka, quer dizer, Patrícia, juro”

Grande ‘Olenka’!

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